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CARLOS HEITOR CONY
A hora do perdão
RIO DE JANEIRO - Embora com atraso, sempre é hora de comentar o perdão que todos devemos a todos. Seguindo o exemplo de João Paulo 2º,
que pediu desculpa a todos os que,
em séculos passados, foram condenados pelo fanatismo da religião, Lula
aproveitou recente estada em terras
de África e pediu perdão pelos crimes
que o Brasil cometeu contra os negros
aqui escravizados. Ameaçou ir às lágrimas, que, segundo o lugar-comum, "escorrem pelas faces".
Louve-se este tipo de reparação tardia. É um reconhecimento de erros e
de crimes que não devem ser repetidos -que todos peçam perdão a todos: de alguma forma, cometemos erros e faltas contra o próximo.
Aproveitando o clima, mas sem
chegar às lágrimas que me escorram
pelas faces, também pedirei perdão
pelas poucas e boas que fiz por aí.
A começar pela dona Balbina, uma
portuguesa que tinha um espesso bigode, notável pelos gritos que dava
em momentos de cólera. Difamei-a,
queixando-me a meu pai que ela se
recusara a vender tomates. Na verdade, esqueci de ir à quitanda e justifiquei-me dizendo que dona Balbina
não os vendera por pirraça. O pai armou um escândalo, ameaçou depredar a quitanda. Ouço até hoje os gritos de dona Balbina jurando que estava sendo vítima de infâmia. Onde
quer que ela esteja, peço-lhe perdão.
Outro caso foi o do Rubinho, que se
dizia capaz de sentar onde eu sentasse. Tiramos as calças e eu sentei em
lugares estranhos, em cima de uma
cerca, de um porco que andava pelo
quintal, no galho alto de um pé de jaca. Rubinho ia atrás e provava que
era capaz de sentar onde eu sentasse.
Havia um formigueiro no quintal.
Fingi que sentei nele e desafiei Rubinho, que sentou com tudo a que tinha direito. Foi um berro só. Vi Rubinho coberto de formigas, correndo
aos gritos. Levou semanas sem poder
sentar de tão inchado estava.
Esse ainda vive. É bispo emérito de
uma diocese na Paraíba. Já deve ter
me perdoado.
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