São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

A hora do perdão

RIO DE JANEIRO - Embora com atraso, sempre é hora de comentar o perdão que todos devemos a todos. Seguindo o exemplo de João Paulo 2º, que pediu desculpa a todos os que, em séculos passados, foram condenados pelo fanatismo da religião, Lula aproveitou recente estada em terras de África e pediu perdão pelos crimes que o Brasil cometeu contra os negros aqui escravizados. Ameaçou ir às lágrimas, que, segundo o lugar-comum, "escorrem pelas faces".
Louve-se este tipo de reparação tardia. É um reconhecimento de erros e de crimes que não devem ser repetidos -que todos peçam perdão a todos: de alguma forma, cometemos erros e faltas contra o próximo.
Aproveitando o clima, mas sem chegar às lágrimas que me escorram pelas faces, também pedirei perdão pelas poucas e boas que fiz por aí.
A começar pela dona Balbina, uma portuguesa que tinha um espesso bigode, notável pelos gritos que dava em momentos de cólera. Difamei-a, queixando-me a meu pai que ela se recusara a vender tomates. Na verdade, esqueci de ir à quitanda e justifiquei-me dizendo que dona Balbina não os vendera por pirraça. O pai armou um escândalo, ameaçou depredar a quitanda. Ouço até hoje os gritos de dona Balbina jurando que estava sendo vítima de infâmia. Onde quer que ela esteja, peço-lhe perdão.
Outro caso foi o do Rubinho, que se dizia capaz de sentar onde eu sentasse. Tiramos as calças e eu sentei em lugares estranhos, em cima de uma cerca, de um porco que andava pelo quintal, no galho alto de um pé de jaca. Rubinho ia atrás e provava que era capaz de sentar onde eu sentasse.
Havia um formigueiro no quintal. Fingi que sentei nele e desafiei Rubinho, que sentou com tudo a que tinha direito. Foi um berro só. Vi Rubinho coberto de formigas, correndo aos gritos. Levou semanas sem poder sentar de tão inchado estava.
Esse ainda vive. É bispo emérito de uma diocese na Paraíba. Já deve ter me perdoado.


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