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JOÃO SAYAD
A pobreza
monetária
O combate à pobreza é a prioridade do Banco Mundial desde
que James Wolfensohn assumiu a
presidência, dez anos atrás. No encontro anual de primavera, neste ano em
Washington, Wolfensohn, que está
deixando o cargo, analisou a situação
da pobreza no mundo e pediu mais
ajuda dos países desenvolvidos.
1,2 bilhão de humanos entre os 6 bilhões que habitam a Terra vive com
renda inferior a um dólar por dia, menos de R$ 90 por mês. A meta definida
pelas Nações Unidas é reduzir esse número pela metade até 2015.
Na África subsaariana, o número
não se reduziu. Até agora, não parece
que a América Latina conseguirá atingir a meta do milênio. No Brasil, o número de pobres se reduziu em ritmo
que não nos leva a atingir a meta. Para
o mundo todo, os resultados são um
pouco melhores por causa do desempenho da Ásia populosa, que tem
crescido rapidamente.
O discurso de Wolfensohn lembra
os programas do Silveira Sampaio na
televisão no final dos anos 50, quando
se discutia a Aliança para o Progresso.
Silveira Sampaio fingia falar com Eisenhower ao telefone e argumentava:
"Não, Eisenhower, não queremos ajuda, nem ambulâncias, nem rádios,
nem vacinas. Presidente, precisamos
de dólares, dólares e crédito".
Ajuda é bem-vinda em situações de
emergência e em casos extremos. Mas
a pobreza é complexa e heterogênea.
Existe a pobreza dos esquimós, a dos
ianomâmis, a dos aborígenes, a dos
tuaregues, a dos caiçaras e a de outros
povos que não foram contaminados
pela cultura ocidental. Deveriam ser
deixados em paz.
Quantas vezes em São Paulo ou em
Xangai não paramos cansados para
pensar na falta de sentido de tanta correria, tensões e frustrações? As comunidades que foram deixadas de lado
pelo capitalismo, e até pela globalização que invadiu todos os espaços, são
fontes de inspiração para uma cultura
e uma vida diferentes.
Ao sul do Saara, a pobreza é aguda e
emergencial. São povos que não foram poupados pelo capitalismo. Vivem a barbárie que se instalou na África desde a Revolução Comercial no século 15. Foram escravizados e se transformaram na mercadoria mais importante do comércio com as Índias
Ocidentais. Nos séculos seguintes, foram colonizados pelas nações européias. Hoje, a solução não é simples.
Não há vida política estável nem Estado eficaz. Talvez tenhamos que nos
contentar com o auxílio direto, na forma de alimentos e Cruz Vermelha, as
coisas que Silveira Sampaio não queria do Eisenhower.
A pobreza latino-americana é diferente. Só tem uma solução, o desenvolvimento. Desenvolvimento gera
pobreza ao destruir tantas atividades
(a agricultura de subsistência, a produção familiar). E cria novas oportunidades, novas formas de vida e de
trabalho. Só um desenvolvimento vigoroso que cria mais do que destrói
reduz a pobreza.
A pobreza latino-americana aumentou particularmente depois dos 20
anos de estagnação que se iniciaram
com a crise da dívida externa em 1982.
É um fenômeno monetário. Não podemos esquecer disso neste intervalo
de prosperidade de 2004 e 2005, pois o
aumento dos juros americanos é inevitável.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net
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