São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2005

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JOÃO SAYAD

A pobreza monetária

O combate à pobreza é a prioridade do Banco Mundial desde que James Wolfensohn assumiu a presidência, dez anos atrás. No encontro anual de primavera, neste ano em Washington, Wolfensohn, que está deixando o cargo, analisou a situação da pobreza no mundo e pediu mais ajuda dos países desenvolvidos.
1,2 bilhão de humanos entre os 6 bilhões que habitam a Terra vive com renda inferior a um dólar por dia, menos de R$ 90 por mês. A meta definida pelas Nações Unidas é reduzir esse número pela metade até 2015.
Na África subsaariana, o número não se reduziu. Até agora, não parece que a América Latina conseguirá atingir a meta do milênio. No Brasil, o número de pobres se reduziu em ritmo que não nos leva a atingir a meta. Para o mundo todo, os resultados são um pouco melhores por causa do desempenho da Ásia populosa, que tem crescido rapidamente.
O discurso de Wolfensohn lembra os programas do Silveira Sampaio na televisão no final dos anos 50, quando se discutia a Aliança para o Progresso. Silveira Sampaio fingia falar com Eisenhower ao telefone e argumentava: "Não, Eisenhower, não queremos ajuda, nem ambulâncias, nem rádios, nem vacinas. Presidente, precisamos de dólares, dólares e crédito".
Ajuda é bem-vinda em situações de emergência e em casos extremos. Mas a pobreza é complexa e heterogênea. Existe a pobreza dos esquimós, a dos ianomâmis, a dos aborígenes, a dos tuaregues, a dos caiçaras e a de outros povos que não foram contaminados pela cultura ocidental. Deveriam ser deixados em paz.
Quantas vezes em São Paulo ou em Xangai não paramos cansados para pensar na falta de sentido de tanta correria, tensões e frustrações? As comunidades que foram deixadas de lado pelo capitalismo, e até pela globalização que invadiu todos os espaços, são fontes de inspiração para uma cultura e uma vida diferentes.
Ao sul do Saara, a pobreza é aguda e emergencial. São povos que não foram poupados pelo capitalismo. Vivem a barbárie que se instalou na África desde a Revolução Comercial no século 15. Foram escravizados e se transformaram na mercadoria mais importante do comércio com as Índias Ocidentais. Nos séculos seguintes, foram colonizados pelas nações européias. Hoje, a solução não é simples. Não há vida política estável nem Estado eficaz. Talvez tenhamos que nos contentar com o auxílio direto, na forma de alimentos e Cruz Vermelha, as coisas que Silveira Sampaio não queria do Eisenhower.
A pobreza latino-americana é diferente. Só tem uma solução, o desenvolvimento. Desenvolvimento gera pobreza ao destruir tantas atividades (a agricultura de subsistência, a produção familiar). E cria novas oportunidades, novas formas de vida e de trabalho. Só um desenvolvimento vigoroso que cria mais do que destrói reduz a pobreza.
A pobreza latino-americana aumentou particularmente depois dos 20 anos de estagnação que se iniciaram com a crise da dívida externa em 1982. É um fenômeno monetário. Não podemos esquecer disso neste intervalo de prosperidade de 2004 e 2005, pois o aumento dos juros americanos é inevitável.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net


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