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São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mário Covas e a segurança pública

JOSÉ AFONSO DA SILVA e MARCO VINÍCIO PETRELLUZZI

No momento em que o governo federal, por intermédio do Ministério da Justiça, propõe um novo modelo organizacional para a área da segurança pública, é importante lembrarmos a política de segurança implantada nos dois mandatos do governador Mário Covas.
Covas assumiu o Estado com as polícias, em especial a Polícia Militar, extremamente desacreditadas por fatos como o massacre do Carandiru. Em contraposição, deixou o governo, já enfraquecido pela doença que o consumia, justamente quando essa mesma polícia enfrentou 29 rebeliões simultâneas, com mais de 35 mil reféns, sem permitir nem uma fuga sequer, mas respeitando a integridade física dos presos e de todos quanto estiveram envolvidos em tão grave episódio. Da mesma forma, conseguiu que essa polícia, convocada pela Justiça centenas de vezes para intervir desocupando áreas invadidas, particularmente na área rural, atuasse sem traumas ou violência.
Para que as polícias de São Paulo chegassem a esse nível de profissionalismo e respeito à lei, muito teve de ser feito. Diferentemente do que pensam alguns -e prova disso é a atual situação do Estado do Rio de Janeiro-, os resultados em segurança pública aparecem graças à ação contínua e segura, e não a medidas demagógicas e oportunistas.
E foi nessa linha que Covas fortaleceu e elevou à condição de ponto programático de seu governo o Proar, que fornecia tratamento psicológico aos policiais envolvidos em episódios de alto risco, como tiroteios com morte. Foi também assim que Covas criou a Ouvidoria da Polícia e, numa rara e democrática demonstração de preocupação com a sua independência, outorgou mandato a seu titular, nomeando para primeiro ouvidor da polícia um militante da área dos direitos humanos e membro do PT, principal partido de oposição ao seu governo.
No período de governo de Mário Covas, fomentou-se a geração de políticas alternativas de combate à criminalidade, com a implantação do policiamento comunitário e com a criação de conselhos e comissões que têm a participação de pessoas ligadas a várias entidades da sociedade civil.
E essa política jamais mostrou tibieza diante do crime. Covas assumiu o governo com as polícias prendendo cerca de 4.000 pessoas por mês. Quando nos deixou, essas mesmas polícias efetuavam mais de 10 mil prisões a cada mês.
Pela primeira vez no Brasil, as estatísticas policiais foram tornadas públicas, inicialmente publicadas no "Diário Oficial" e, posteriormente, facultado o seu exame por meio da internet.


Para que as polícias de São Paulo chegassem a esse nível de profissionalismo e respeito à lei, muito teve de ser feito


Também pela primeira vez no Brasil houve avanços concretos no sentido da unificação das polícias. Covas, pessoalmente, apresentou ao governo federal proposta para essa unificação. E foi além do gesto. Iniciou uma política de integração das polícias sem precedentes. Unificou suas áreas de atuação, fixou metas de redução da criminalidade conjuntas para cada distrito policial e companhia da PM, criou o Infocrim, que disponibiliza para as duas polícias o melhor programa de análise criminal do país, e viabilizou a unificação do comando das duas polícias em um mesmo local, na nova sede da Secretaria da Segurança Pública.
Covas não deixou de cuidar do imprescindível reaparelhamento das polícias. Efetivou a troca do revólver 38 pela pistola .40 e investiu na modernidade, tendo deixado o governo com a polícia equipada com mais e novos computadores, veículos, helicópteros e toda a sorte de equipamentos necessários à atividade policial. Não se esqueceu, também, de cuidar do policial e de sua família, investindo em coletes à prova de balas e criando o seguro de vida para policiais, hoje no valor de R$ 100 mil.
Covas deu à polícia científica a esperada autonomia, iniciando seu reaparelhamento e criando programas de melhor atendimento à população, principalmente através do Instituto Médico Legal. Para combater o mau policial, Covas deu maior autonomia às corregedorias e implantou programas pró-ativos, como os testes de integridade e os de consumo de drogas para policiais.
No campo penitenciário, Covas fez a maior obra de que se tem notícia nesse país, criando mais de 30 mil vagas prisionais. Além disso, com a concepção dos centros de detenção provisória, para a qual foram convidadas a opinar as entidades que militam na área penitenciária, foi dado início à desativação das carceragens nos distritos policiais, propiciando maior segurança à cidadania e tratamento mais adequado aos presos.
Mas tudo isso de nada teria valido se, em seu governo, Covas não tivesse sempre se mantido fiel aos princípios democráticos e de respeito aos direitos humanos, dos quais jamais abriu mão, mesmo quando, por essa razão, viesse a sofrer prejuízos políticos.
Covas era um homem à frente de seu tempo também na área da segurança pública; e caminha bem o governo federal ao incluir em seu programa de segurança muitos dos conceitos e programas inaugurados por Mário Covas.

José Afonso da Silva, 78, advogado constitucionalista, é presidente da Associação Brasileira dos Constitucionalistas Democratas e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Mário Covas, primeiro mandato). Marco Vinício Petrelluzzi, 47, é procurador de Justiça. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Covas, segundo mandato).


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