São Paulo, sexta-feira, 25 de junho de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

A vida ou a bolsa

BRASÍLIA - Lula chega hoje ao Brasil depois de fazer palestras em Nova York e de comemorar a aprovação do mínimo de R$ 260. Mas já com novos abacaxis para descascar.
Um deles é o projeto que cria o Fundo Nacional de Assistência às Vítimas de Crimes Violentos praticados pela polícia -ou seja, pelo Estado. Em resumo, o texto propõe indenização ou pensão para as famílias atingidas por chacinas, por exemplo. Aprovado rapidinho no Senado, foi retirado da Câmara pelo governo, que o classifica de "INSS do crime".
Poderia ser apenas mais um entre milhares de projetos que vagueiam no circuito governo-Câmara-Senado. Mas não é. Primeiro, porque mexe com violência, com segurança pública e com a mãe dos outros. Depois, pela origem: seu autor é, nada mais nada menos, José Sarney, que o Planalto e o PT não param de bajular desde a derrota do governo na votação do salário mínimo no Senado (atribuída em parte a ele) e da vitória posterior na Câmara (idem).
Uma comissão de mães de mortos em chacinas no Rio já fez vigília na porta de Lula em São Bernardo (SP) e agora se diz de malas prontas para ir ao Alvorada ou ao Planalto em favor do projeto de Sarney. O princípio que defendem: governo que não garante segurança pública tem de compensar as vítimas. Mas, entre o princípio e a realidade, há o caixa. O governo diz que não tem dinheiro.
E deve não ter mesmo, porque não está liberando verbas para os Estados nem de fundos já existentes, como o das penitenciárias e o da própria segurança. Como pretenda que libere para um fundo que nem criado foi ainda? Se é que será um dia...
O fato é que Sarney está por cima da carne-seca, quer aprovar a emenda da sua reeleição à presidência do Senado e ser muito bem tratado por Lula. Além disso, governo do PT batendo a porta na cara das "mães do Rio" ou das "viúvas do crime" ou qualquer outra coisa dessas não pega bem. Ainda mais depois de tão acusado de virar as costas às bandeiras e aos aliados históricos. E de aprovar um salário mínimo tão mínimo.


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