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ALBA ZALUAR
Guerra ou
segurança?
EM 1903 foi criada uma Guarda
Civil que fazia o policiamento
ostensivo nas cidades brasileiras. A Polícia Militar, força auxiliar do Exército desde o século 19,
permaneceu então aquartelada para agir apenas na ocorrência de
graves desordens urbanas.
Durante o regime militar, um decreto-lei de 1969 reorganizou as
polícias militares, fazendo-as absorver os guardas civis e colocando
todos sob a subordinação do Estado-Maior do Exército. Essa vinculação nunca foi desfeita, mesmo
após a Constituição de 1988. Com
isso, permanece até hoje a doutrina
de segurança nacional, assim como
o treinamento militar para uma
guerra contra um inimigo interno,
já agora não mais os "subversivos"
da década de 1970, e sim os "meliantes", "elementos", nomes que
se referem aos jovens vulneráveis
da periferia e da favela.
Esse é um dos principais nós da
política de segurança pública no
país. A manutenção da Polícia Militar com a mesma formação criada
no regime militar constitui um dos
paradoxos da redemocratização.
Enquanto vários índices melhoravam, as taxas de homicídios entre
os homens jovens e pobres aumentaram várias vezes em muitas cidades brasileiras.
No Rio de Janeiro, pelos depoimentos tomados em 27 anos de
pesquisas, armas e munições, muitas exclusivas das Forças Armadas,
foram fornecidas aos traficantes
por armeiros ou por policiais corruptos para combater não só outras quadrilhas mas os próprios policiais. Jovens que prestam serviço
militar, especialmente ex-pára-quedistas treinados em guerrilha
urbana, foram cooptados por traficantes para treinar adolescentes
no manejo de armas automáticas e
nas táticas militares para enfrentar
inimigos. Há notícias de que alguns
recebem R$ 3.000 por semana por
esse trabalho.
O domínio de territórios incrustados nas favelas talvez possa ser
entendido quando se considera a
facilidade com que as armas e o
treinamento no seu manejo foram
fornecidos a traficantes. Assim esses locais se transformaram nas
áreas conflagradas que incitam jovens a desejar andar armados, pois
constituem o contexto sociocultural a que esses pertencem.
Estudos feitos nos Estados Unidos apontam o grupo de pares como o maior preditivo de delinqüência e porte de armas entre homens jovens. A família influi, mas é
a rede de relações do jovem com jovens de sua idade ou de idade superior que aparece como mais importante para se entender este comportamento. Os jovens que carregam armas mencionam 19 vezes
mais do que os que não carregam
ter colegas também portadores de
armas.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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