São Paulo, segunda-feira, 25 de junho de 2007

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ALBA ZALUAR

Guerra ou segurança?

EM 1903 foi criada uma Guarda Civil que fazia o policiamento ostensivo nas cidades brasileiras. A Polícia Militar, força auxiliar do Exército desde o século 19, permaneceu então aquartelada para agir apenas na ocorrência de graves desordens urbanas.
Durante o regime militar, um decreto-lei de 1969 reorganizou as polícias militares, fazendo-as absorver os guardas civis e colocando todos sob a subordinação do Estado-Maior do Exército. Essa vinculação nunca foi desfeita, mesmo após a Constituição de 1988. Com isso, permanece até hoje a doutrina de segurança nacional, assim como o treinamento militar para uma guerra contra um inimigo interno, já agora não mais os "subversivos" da década de 1970, e sim os "meliantes", "elementos", nomes que se referem aos jovens vulneráveis da periferia e da favela.
Esse é um dos principais nós da política de segurança pública no país. A manutenção da Polícia Militar com a mesma formação criada no regime militar constitui um dos paradoxos da redemocratização. Enquanto vários índices melhoravam, as taxas de homicídios entre os homens jovens e pobres aumentaram várias vezes em muitas cidades brasileiras.
No Rio de Janeiro, pelos depoimentos tomados em 27 anos de pesquisas, armas e munições, muitas exclusivas das Forças Armadas, foram fornecidas aos traficantes por armeiros ou por policiais corruptos para combater não só outras quadrilhas mas os próprios policiais. Jovens que prestam serviço militar, especialmente ex-pára-quedistas treinados em guerrilha urbana, foram cooptados por traficantes para treinar adolescentes no manejo de armas automáticas e nas táticas militares para enfrentar inimigos. Há notícias de que alguns recebem R$ 3.000 por semana por esse trabalho.
O domínio de territórios incrustados nas favelas talvez possa ser entendido quando se considera a facilidade com que as armas e o treinamento no seu manejo foram fornecidos a traficantes. Assim esses locais se transformaram nas áreas conflagradas que incitam jovens a desejar andar armados, pois constituem o contexto sociocultural a que esses pertencem.
Estudos feitos nos Estados Unidos apontam o grupo de pares como o maior preditivo de delinqüência e porte de armas entre homens jovens. A família influi, mas é a rede de relações do jovem com jovens de sua idade ou de idade superior que aparece como mais importante para se entender este comportamento. Os jovens que carregam armas mencionam 19 vezes mais do que os que não carregam ter colegas também portadores de armas.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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