São Paulo, segunda-feira, 25 de junho de 2007

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RUY CASTRO

"Weltschmerz" na passarela

RIO DE JANEIRO - No século 19, um estrangeiro desceu do navio no Rio e, depois de dar uma volta pela cidade, declarou: "O brasileiro é um negro de todas as cores". A frase denotava admiração pela nossa variedade epidérmica. Queria dizer que o brasileiro, com um dedo mindinho na África, ou mesmo um pé inteiro, era resultado de uma impressionante mistura com outras etnias. Corta para 150 anos depois. Se esse estrangeiro tivesse descido no Rio há duas semanas e ido direto para os desfiles da Fashion Rio -ou para a São Paulo Fashion Week, na semana seguinte-, sua impressão seria outra. Depois de assistir à passagem das centenas de modelos, ele diria: "A brasileira é uma mulher de 1,80 metro, loura, de pernas finas e compridas, sem bunda e sem ancas, com peitos pneumáticos e um curioso jeito de andar chutando para dentro. Seus avós se chamam Hans e Gretel".
Graças a uma certa onda de neoarianismo na moda, as brasileiras tinham se tornado subitamente européias. E, desprezando nossas tradições culinárias, pareciam ter aderido à cruel dieta de Auschwitz, em voga na Segunda Guerra.
Por fim, o visitante concluiria que, pela expressão de tristeza estampada nos belos rostos das moças, elas deviam estar impregnadas de "Weltschmerz" -a "dor do mundo", um profundo sentimento depressivo na Alemanha do século 19, baseado na certeza filosófica de que a quantidade de felicidade no mundo será sempre inferior à de infelicidade, e que levou a inúmeros suicídios.
Por sorte, houve exceções, como as de Natalia Guimarães, no Rio, e Luiza Brunet, em São Paulo. Ali estavam duas mulheres com a mistura de cores do Brasil, as carnes e as curvas nos lugares certos e, que alívio, saudáveis e sorridentes, sem compromisso com investigações epistemológicas mais sérias.


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