São Paulo, sexta-feira, 25 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Cada hino tem seu jogo

ROBERTO MUYLAERT


Fiquei preocupado ao ver o grupo de jogadores lusitanos a bradar, com vigor, "às armas, às armas", como pede a letra do seu hino


A organização mundial do futebol gosta de tudo bem certinho em cada jogo da "Copa do Mundo da Fifa 2010". Proibido dizer só "Copa", como é costume por aqui. Estão previstos desde o jeito de o árbitro apanhar a bola Jabulani do pedestal para o "kick-off" até a execução dos hinos por um período de tempo definido e igual para todos.
Com isso, o Brasil é prejudicado, coisa que a gente só percebe em época de "Copa do Mundo da Fifa". É que a introdução de nosso hino é muito comprida e acabamos tendo a música cortada quando ela começa a embalar, para desapontamento dos torcedores brasileiros mais empolgados e bem fantasiados. Em compensação, a letra do nosso hino fala de belezas naturais.
Tive a atenção voltada para esse detalhe por um jornalista inglês, quando um amigo me chamou para ver o jogo da "Copa do Mundo da Fifa 2002" na casa dele, às três da manhã, seduzido por uma Guinness gelada que ofereceu, em homenagem ao adversário, que seria a Inglaterra.
Fui e não me arrependi: ganhamos com o incrível gol de falta marcado por Ronaldinho Gaúcho, do meio do campo. Aquele jornalista ficou encantado quando descobriu a poesia do nosso hino, que enaltece rios, cores, natureza, mar, céu, som, sol. Ao contrário de tantos outros que, como o português, convocam para uma guerra iminente.
Fiquei preocupado quando vi aquele grupo de jogadores lusitanos bem-educados a bradar, com vigor, "às armas, às armas", como pede a letra do seu hino nacional. E logo contra a belicosa Coreia do Norte, que, quando grita "às armas", já foi.
Em compensação, parece que o internacional Cristiano Ronaldo já se esqueceu do hino pátrio, apesar da melodia tão bonita. Faz cara de paisagem durante toda a execução. Já o Felipão, técnico brasileiro, sabia cantar o hino inteiro quando dirigia a equipe de Portugal. A execução dos hinos nacionais merece mesmo ser bem observada, por revelar muita coisa sobre os países que eles representam.
Deu "peninha" da lágrima premonitória daquele norte-coreano, que vai passar por poucas e boas ao regressar a Pyongyang, com a derrota por sete a zero contra os lusitanos, em jogo que deve ter sido transmitido ao vivo para a Coreia do Norte, após o sucesso contra o Brasil, quando a equipe perdeu por um só gol de diferença.
O hino da Argentina reflete o jeito com que o time joga. A equipe começa muito lenta, com passes laterais, assim como a melodia, que custa a embalar. De repente, dispara, acumulando notas em sequência, como costuma fazer o time regido pelos passes de Messi . A Inglaterra tem o hino mais compacto e resumido, próprio de um país que detesta burocracia e está de bem com a rainha.
O "Allons Enfants" da França, o mais belo de todos, também foi premonitório: os "bleus" já se foram. Bem acima dos decibéis dos hinos está a terrível vuvuzela, responsável por pelo menos uma baixa na torcida brasileira na África. "Voltei depois do jogo com a Coreia do Norte", desabafou o torcedor brasileiro que havia comprado um pacote até o jogo final. "Não suportei a vuvuzela!".

ROBERTO MUYLAERT, jornalista, é editor, escritor e presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas). Foi presidente da TV Cultura de São Paulo (1986 a 1995) e ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social (1995, governo Fernando Henrique).


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Carlos Ayres Britto: Michael Jackson e a pele do ar

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.