São Paulo, Sexta-feira, 25 de Junho de 1999
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HUMANOS, NÃO ANIMAIS

Ninguém merece ser tratado como animal, como um presidiário brasileiro, diz a Anistia Internacional na nota em que divulgou sua pesquisa sobre a situação de prisões no Brasil.
A Anistia faz coro a diversas manifestações, estudos e pesquisas das universidades, de outras ONGs, de tribunais e mesmo da Polícia Civil. As críticas parecem ter sabor de lugar-comum, dada a frequência com que tais estudos constatam o massacre físico e psicológico dos presos. A tragédia dos presídios como que parece fazer parte da paisagem natural do país, assim como o drama social.
Mas algo tem mudado. Há um programa nacional de construção de penitenciárias, para desafogar os atoleiros de vidas e as escolas de crime que se tornaram as cadeias. Mas o sistema penitenciário está em crise, diz a Anistia. Porém, após duas décadas de estagnação econômica, não é só esse sistema que está em crise.
A crise social é crônica, o Estado está exaurido e não há dinheiro bastante para nada. Há até presídios novos, modernos, mas falta gente qualificada para geri-los. E assim os presos continuam a fugir e a morrer.
Houve algum progresso nos direitos humanos. São Paulo criou e exportou a boa idéia das ouvidorias de polícia. Policiais acusados de homicídio agora são julgados por júri popular, e não por pares, o que reduz a impunidade. As leis penais melhoram aos poucos -como a das penas alternativas-, mas faltam vontade, pessoal e meios para cumpri-las.
Presos continuam detidos depois de cumprirem penas; raramente elas são relaxadas, mesmo que a lei o permita. Há juízes-corregedores de presídios, mas, como o restante da magistratura, eles estão assoberbados, como o prova o fato de que muita vez seu trabalho é o de apagar, e não evitar, os incêndios das comuns e mortíferas revoltas de presos.
A sociedade parece indisposta a se indignar contra os suplícios das prisões: tortura, promiscuidade pestilenta, mutirões homicidas levados a cabo pelos presos para reduzir a superlotação. Aterrorizada pela violência, instigada pela mídia e pelos políticos populistas autoritários, ela pouco se importa com as cadeias.
A Anistia sugere medidas tópicas, factíveis, para reduzir o descalabro violento. Propõe iniciativas como dar voz aos detidos, que raramente têm a quem se queixar da tortura. Espera-se que as autoridades considerem as críticas construtivas do duro relatório da Anistia. Mas é difícil apagar a impressão de que os avanços serão pouco significativos enquanto o Brasil se debater nesse já longuíssima crise econômica e social.


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