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A invenção do zero
JOSÉ SARNEY
Conta Georges Ifrah, no seu monumental livro "História Universal dos
Algarismos", que foi motivado a escrevê-lo, como professor de matemática, pela intrigante pergunta de um
pequeno aluno: "Professor, quem inventou o zero?". Ele não teve resposta
e enrolou: "Coisas que se perderam
no tempo, muito antigas".
Hoje, depois do pandemônio que se
implantou na cabeça da gente, com os
números que são modificados, acrescidos, baralhados no sistema telefônico brasileiro, essa pergunta, se fosse
feita a qualquer menino vidrado em
televisão, seria respondida: "Foi o
DDD". Há uma guerra publicitária e
está mudando tudo no acesso às linhas do telefone interurbano. A única
coisa que continua firme é o zero.
"Mas nada é novo debaixo do sol",
está nos Salmos. Temos precedentes
nos babilônios que associavam seus
deuses a uma hierarquia: 60, a Anu,
deus do Céu; 50, a Enlil, deus da Terra; 40, a Ea, deus das águas; e outros.
A grande indagação na história dos
algarismos é o intrigante problema do
zero, uma das maiores descobertas da
mente humana. O zero é um conceito
abstrato. O homem das cavernas só
sabia o que era "um" e "dois", o
mais era o "muitos". Os egípcios,
que criaram uma escrita de belo visual, sem chegar ao alfabeto, representavam os números por símbolos de
objetos e seres existentes. O um era
um arpão, e o dez, um falcão. Mas não
tinham um símbolo para o zero e talvez por isso não tenham descoberto o
Babeltel.
A privatização veio para simplificar
a nossa vida, melhorar o serviço, possibilitar a escolha de ligações mais baratas, acabar com as filas de pretendentes a telefones, ampliar a rede de
telefones públicos, tornar as ligações
mais rápidas, estender a telefonia a todos os lugares do Brasil com mais de
cem habitantes. Grande programa e
grandes esperanças foram espalhados.
Passado algum tempo, as expectativas
não se confirmaram. Os preços aumentaram, a fila para aquisição continuou a mesma, os serviços pioraram e
ninguém liga para ninguém nem para
lugar nenhum. A voz que aparece é
sempre "não foi possível completar
sua ligação". E agora, para afligir
mais, surge a complicação dos números, e o consumidor tem a sensação de
que a vantagem da privatização começou por tornar a discagem mais difícil.
Esses desencontros estão sendo os
mesmos em toda a América Latina. O
nosso foi maior, no caso das telecomunicações, pelo acesso que teve a
opinião pública sobre o background
da licitação, pelo lamentável episódio
dos grampos. O povo mesmo, ponta
final do processo, não percebeu os resultados. Em nome da concorrência,
complicou-se a vida dos usuários, que
estão tendo serviços piorados. As nossas agências reguladoras não estão,
nem podiam estar, aparelhadas para
fiscalizar esse mundo caótico de interesses globalizados, que detém isenções e privilégios, como o da Light,
que pode indexar suas tarifas até 2005,
embora a correção monetária esteja
proibida.
Não sou contra privatizar, mas a
privatização selvagem nos trouxe
muitas complicações, inclusive essa
de ter de recorrer ao bumbum dos
meninos gordinhos para poder ter
acesso aos novos donos de nossas
conversas.
A agência responsável pelas telecomunicações tem um trabalho gigantesco pela frente. Controlar esses gigantes não é fácil. E mais difícil ainda
dar-lhes nota zero.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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