São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Programa real

Com as entrevistas dos principais candidatos à Presidência na emissora de maior audiência, a campanha eleitoral deixa o círculo restrito em que estava e começa a ser percebida pela maioria da população. Na quarta eleição livre e direta desde o fim do regime militar, já não se pode dizer que a democracia brasileira seja tão incipiente ou imatura.
Prova de que se fixou um saudável ceticismo quanto a soluções mágicas e salvadores da pátria, curtido nos episódios Cruzado e Collor, é o horror que qualquer candidato tem hoje de que lhe seja vestida essa carapuça. Corrigidos pela competição, os institutos de pesquisa têm apresentado resultados menos divergentes, que formam um padrão.
Ainda existem veículos de comunicação engajados numa determinada opção partidária, mas de modo geral seu comportamento tem sido mais equânime e pluralista. Isso reflete, em parte, o desaparecimento de diferenças expressivas entre as principais candidaturas, que convergem para um centro insosso. Mas mostra também uma mídia menos sectária.
Desenvolveu-se uma tradição de debates televisivos, embora manietados por regras que camuflam, mais do que revelam, os candidatos. Profissionalizadas, as técnicas publicitárias oferecem um mesmo tipo de embalagem: honestidade, firmeza, dinamismo etc. A imprensa procura investigar irregularidades e iluminar os programas.
A quantidade de informação comparativa oferecida ao eleitor é muito maior do que em qualquer outra época. Sua decisão parece menos movida a identificações fantasmáticas com algum líder messiânico e mais determinada por um cálculo racional, em que pesa a análise de propostas concretas, histórico dos postulantes, coerência de sua trajetória.
Esse cenário edificante é verdadeiro em parte, pois estamos às voltas com as limitações e paradoxos de qualquer democracia eleitoral moderna. Conforme aumenta a demanda crítica por informações, melhoram também as técnicas para ludibriar o eleitor. Por ser menos engajada, nem por isso a mídia é menos superficial ou errática.
Pode-se expor o programa dos candidatos, na internet ou em versões resumidas na imprensa ou na TV. Sabe-se que o programa formal é "para inglês ver", moldado para atender demandas das pesquisas de opinião. O programa real, aquilo que o candidato, se eleito, de fato fará no tocante às questões vitais sob sua alçada, permanece oculto.
Desde logo, porque o candidato mesmo em geral não sabe o que fará, sobretudo os que cairão de pára-quedas na função postulada. Estão envolvidos numa guerra paranóica para vencer as eleições, guerra na qual seu ânimo psicológico depende dos elogios dos áulicos e da certeza, sempre reiterada, de que "quem não está por nós, está contra nós".
O verdadeiro programa é tecido a partir dos financiamentos clandestinos de campanha, quando se conforma o arco de influências concretas sobre o futuro governo e suas decisões começam a ser tomadas, à revelia do que "pensa" o futuro eleito. Esse âmago continua mais ou menos impenetrável, grande lacuna no excesso de informação circundante.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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