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OTAVIO FRIAS FILHO
Programa real
Com as entrevistas dos principais
candidatos à Presidência na emissora de maior audiência, a campanha
eleitoral deixa o círculo restrito em
que estava e começa a ser percebida
pela maioria da população. Na quarta
eleição livre e direta desde o fim do regime militar, já não se pode dizer que
a democracia brasileira seja tão incipiente ou imatura.
Prova de que se fixou um saudável
ceticismo quanto a soluções mágicas e
salvadores da pátria, curtido nos episódios Cruzado e Collor, é o horror
que qualquer candidato tem hoje de
que lhe seja vestida essa carapuça.
Corrigidos pela competição, os institutos de pesquisa têm apresentado resultados menos divergentes, que formam um padrão.
Ainda existem veículos de comunicação engajados numa determinada
opção partidária, mas de modo geral
seu comportamento tem sido mais
equânime e pluralista. Isso reflete, em
parte, o desaparecimento de diferenças expressivas entre as principais
candidaturas, que convergem para
um centro insosso. Mas mostra também uma mídia menos sectária.
Desenvolveu-se uma tradição de debates televisivos, embora manietados
por regras que camuflam, mais do que
revelam, os candidatos. Profissionalizadas, as técnicas publicitárias oferecem um mesmo tipo de embalagem:
honestidade, firmeza, dinamismo etc.
A imprensa procura investigar irregularidades e iluminar os programas.
A quantidade de informação comparativa oferecida ao eleitor é muito
maior do que em qualquer outra época. Sua decisão parece menos movida
a identificações fantasmáticas com algum líder messiânico e mais determinada por um cálculo racional, em que
pesa a análise de propostas concretas,
histórico dos postulantes, coerência
de sua trajetória.
Esse cenário edificante é verdadeiro
em parte, pois estamos às voltas com
as limitações e paradoxos de qualquer
democracia eleitoral moderna. Conforme aumenta a demanda crítica por
informações, melhoram também as
técnicas para ludibriar o eleitor. Por
ser menos engajada, nem por isso a
mídia é menos superficial ou errática.
Pode-se expor o programa dos candidatos, na internet ou em versões resumidas na imprensa ou na TV. Sabe-se que o programa formal é "para inglês ver", moldado para atender demandas das pesquisas de opinião. O
programa real, aquilo que o candidato, se eleito, de fato fará no tocante às
questões vitais sob sua alçada, permanece oculto.
Desde logo, porque o candidato
mesmo em geral não sabe o que fará,
sobretudo os que cairão de pára-quedas na função postulada. Estão envolvidos numa guerra paranóica para
vencer as eleições, guerra na qual seu
ânimo psicológico depende dos elogios dos áulicos e da certeza, sempre
reiterada, de que "quem não está por
nós, está contra nós".
O verdadeiro programa é tecido a
partir dos financiamentos clandestinos de campanha, quando se conforma o arco de influências concretas sobre o futuro governo e suas decisões
começam a ser tomadas, à revelia do
que "pensa" o futuro eleito. Esse âmago continua mais ou menos impenetrável, grande lacuna no excesso de informação circundante.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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