São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Antinotícia

RIO DE JANEIRO - Todos os dias, mal acordo, abro a porta da copa e recebo os jornais que acabaram de chegar. Estou sonolento, ruminando os sonhos bons ou maus que tive, vontade de nada fazer, de mandar tudo àquela necessária parte que todos conhecemos.
Os jornais trazem notícias -logo, devem ser úteis- e, desde que me meti no ofício -lá se vão anos-, sou obrigado a lê-los, e, pior do que lê-los, admirá-los.
Fico sabendo que o universo é mais velho do que pensávamos, não tem 13 bilhões de anos, mas 16 bilhões. Velho pra burro. Em compensação, um alemão é penta como o Brasil, mas na Fórmula 1. Em Israel explodiu mais uma bomba, e uma carreta numa estrada vicinal da Turquia matou 5 pessoas.
Serra acusa Ciro disso e Ciro acusa Serra daquilo. Há um campeonato feroz em busca de um novo Collor, e enquanto não se chega a uma definição, Lula chora e Garotinho reza. Nem tudo está perdido, alguém ora por nós.
Um artigo do Luís Edgar de Andrade explica mais uma vez que quem disse a frase "o Brasil não é um país sério" não foi o general De Gaulle. Testemunha ocular e auricular do famoso caso, ele submete tudo ao rigor histórico que tanto preocupa o Ruy Castro.
Rigor histórico: Bush está sendo acusado de tramóias e Rivaldo não vai renovar o contrato com seu clube na Europa. Quê que eu tenho com tudo isso? E os outros? O quê que os outros têm a ver com a minha manhã poluída pelas notícias que não me interessam? Alguma coisa deve estar errada não com os outros, mas comigo.
Moisés, Buda, Cristo e Maomé nunca leram jornal, e se leram, pouco aproveitaram. Eu aproveito de algum modo, pois vivo disso na voz ativa e passiva. Bem verdade que nunca fundarei uma religião, mas gostaria de, todos os dias, ao acordar, em vez de ler os jornais, continuar dormindo profundamente, como as crianças dormem, como os mortos dormem.


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