São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O "gaullismo" da diplomacia brasileira
SÉRGIO DANESE
É como se De Gaulle tivesse sido exemplo de irrealismo político ou de traição ao interesse supremo da França de voltar a figurar entre as grandes potências mundiais, nem que fosse pelo prazer (tão francês) do prestígio. Como se tivesse feito mal à França por ter defendido suas concepções e não se ter submetido aos aliados anglo-saxões da Segunda Guerra, que teriam reduzido a França à condição de potência de segunda classe e não de co-partícipe da vitória aliada, com um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. É como, em suma, se a França devesse ter se conformado com uma posição subalterna e modesta, para purgar os erros da Terceira República e da colaboração, alienando seu futuro. Os países intermediários, como a França no pós-guerra ou o Brasil de hoje, precisam de um tipo de liderança que catalise um salto adiante na sua visão de si mesmos, de seu projeto nacional e de seu lugar em sua região ou no mundo. Sem esse tipo de liderança, que pode ser individual sem ser bonapartista, ou colegiada sem ser emperrada, esses países tendem a se ofuscar diante da preeminência ou resistência dos demais, a ser reativos, a intimidar-se e a lidar com as situações de confronto, competição ou afirmação individual a partir de posição assumida de desvantagem, arcando de antemão com o ônus da fraqueza. Aplicado ao Brasil, o adjetivo gaullista não só ganha atualidade e transitividade, como é até apropriado para se referir ao que o nosso país tem feito, mas sobretudo deve continuar fazendo, para defender seus interesses com independência, soberania e eficiência. Vamos ser gaullistas: defendendo um projeto sub-regional de integração e as alianças estratégicas que nos convêm; mantendo uma visão construtiva, mas crítica, de nossas grandes parcerias; enfrentando o protecionismo dos países ricos e os assomos de protecionismo dos parceiros emergentes e exigindo reciprocidade e simultaneidade na abertura econômica e comercial, sem esquecer de buscar mais competitividade; defendendo a primazia do multilateralismo sobre o unilateralismo e o diálogo e a convergência no lugar da confrontação; tendo uma política externa sem alinhamentos nem camisas-de-força ideológicas, mas também sem exclusões -"tous azimuths"-, como queria De Gaulle; e, por que não, exercendo liderança "suave" quando os tempos, os desafios ou nossos projetos e interesses justificarem ou exigirem. Se ser gaullista é ter "uma certa idéia do Brasil" e propugnar, na política externa, independência, firmeza e determinação na defesa do interesse nacional, então, sejamos gaullistas, como poderíamos dizer: "somos riobranquinos". São adjetivos que honram qualquer diplomacia e que, mais que descrever um sentimento ou inspirar uma vaidade, ilustram um projeto. Ou seja, uma boa idéia. Perguntem aos franceses. Sérgio França Danese, 47, diplomata, é ministro na Embaixada do Brasil em Buenos Aires e autor de "Diplomacia Presidencial" (Top Books, 1999). As idéias deste artigo são de responsabilidade do autor e não engajam o Ministério das Relações Exteriores ou o governo brasileiro. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Carlos de Meira Mattos: A crise orçamentária nas Forças Armadas Índice |
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