São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A crise orçamentária nas Forças Armadas

CARLOS DE MEIRA MATTOS

O mirrado orçamento da Defesa sofreu o segundo corte este ano. Tão pesadas reduções de despesas obrigaram as nossas três Armas -Exército, Marinha e Aeronáutica- a reduzirem a um nível extremamente preocupante suas capacidades operacionais.
Sabemos, estamos cansados de saber, que o atual governo não tem sensibilidade para os problemas de defesa nacional, e isto ele vem demonstrando há quase oito anos. Sabemos também que os cortes orçamentários, sob a alegação da necessidade de redução indispensável de despesas, não atingem os interesses eleitoreiros da equipe que ocupa o Palácio do Planalto.
Em termos de "Política com P maiúsculo", ou de estadismo, é uma inconsciência ignorar a importância das Forças Armadas no contexto de uma política nacional. O Brasil é uma potência média, possuidor do quarto patrimônio geográfico em extensão do mundo, da sexta população mais numerosa do planeta, alcançou uma posição de relevo entre as dez maiores economias e foi capaz de fundir numa cultura homogênea os seus traços de miscegenação racial.
Não somos uma pequena nação inexpressiva no concerto mundial. Temos muito a preservar e muitíssimos interesses a defender neste jogo de ambições da política internacional.
Neste jogo de disputas nada ético que revela a política internacional, o que pesa é poder nacional, e o poder nacional tem como atributo inseparável o poder militar. Todos os grandes estadistas do mundo e do Brasil entenderam esse truísmo. Para citarmos entre os brasileiros, destacamos Rio Branco, Calógeras, Getúlio Vargas e Castelo Branco.
Os políticos geralmente não entendem a extensão do poder. Perguntaram ao ex-presidente dos EUA Woodrow Wilson, professor emérito de ciência política da Universidade de Princeton, qual a diferença entre um estadista e um político. Respondeu ele: "O estadista é aquele que tem a preocupação permanente com os interesses da nação, o político tem seus interesses vinculados ao partido e aos seus problemas pessoais".


Não somos uma pequena nação inexpressiva. Temos muito a preservar e muitíssimos interesses a defender


A maioria de nossos políticos não é capaz de entender a abrangência da política nacional. Por isso, não compreende a importância das Forças Armadas. Repete como realejo o falso conceito de que, "como não temos um inimigo visível, não precisamos de Forças Armadas". Ignora as lições da história e do mundo contemporâneo. Ignora os interesses internacionais do Brasil. Pretende que defendamos os nossos interesses essenciais, no âmbito regional e mundial, sem nos apresentarmos como a potência média que somos, revestida da plenitude de nossos atributos de poder.
Seria insano querermos competir em poder militar com as grandes potências. O nosso poder militar tem que ser adequado à nossa qualificação de potência média, que, no tumulto de disputas antagônicas e ambições ocultas do mundo atual, seja capaz de nos garantir uma posição ativa, para fazer respeitar e a defender os interesses nacionais. É preciso não esquecer o princípio basilar de que o poder e a Justiça sem a reserva da força são inoperantes.
A existência da força nas disputas internacionais de interesses, de desdobramentos sempre imprevisíveis, é um argumento de persuasão ou de dissuasão, atuante muito antes de precisar ser empregada. Quase sempre evita o seu emprego, o que seria a guerra.
A força do adversário nessas disputas representa, no mínimo, um "preço a pagar" que o lado contrário tem que avaliar se vale a pena ser pago. Basta observar o quadro de disputas no cenário mundial para se convencer de que é o poder militar de dissuasão de países menos poderosos, impondo um "preço a pagar", que vem contendo o avanço das conquistas dos mais poderosos.
Nossas responsabilidades com o passado, com as aspirações legítimas do presente e das gerações vindouras está impondo aos candidatos que disputam a futura chefia do governo vir proclamar à nação como entendem e quais os seus projetos sobre a defesa nacional. Os candidatos à Presidência da República pretendem ser estadistas, devem prová-lo que o são.


Carlos de Meira Mattos, 89, general reformado do Exército e veterano da Segunda Guerra Mundial, é doutor em ciência política e conselheiro da ESG (Escola Superior de Guerra).



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