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São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2003

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JOSÉ SARNEY

Tempo instável, sujeito a chuvas

Há muitas nuvens. São formações pesadas, que fazem a meteorologia ter previsão de chuvas, ventos e granizo.
No governo, há sempre momentos assim. Não há como evitar o planeta feroz, na conjugação de política e governar. São as leis dos ventos -que Da Vinci já previa existirem nas grandes altitudes-, normas eternas que envolvem complexo conjunto de leis físicas, temperaturas e outras coisas mais.
Seria especular muito no estudo da meteorologia com a política? Comporta apenas comparações e hipóteses de relações estreitas. Quando as estradas estão cheias de neve ou alagadas, casas destruídas, plantações arrasadas, rios transbordando, enchentes gigantescas, não se trabalha, não se produz e, se a vida normal desaparece, a política também. Mas não é dessas coisas que se fazem os devaneios.
Se não podemos lutar contra os fenômenos físicos, podemos nos preparar para evitar seus danos. Principalmente na organização da defesa civil e, nesta, combater grandes incêndios com bons bombeiros.
Muitas pessoas me dizem que tenho jeito e espírito de bombeiro. É que sempre tive medo de incêndio, de fogo, principalmente na política, porque nessa área é difícil controlar chamas. As paixões crepitam, o calor sobe rapidamente e a razão vai embora.
Muitas vezes nós, que a toda hora lidamos com política e fogo, sentimos necessidade de água para apagar incêndios e de proibir fósforos que os provoquem.
Não é possível perdermos esta oportunidade de um operário no governo -a grande conquista republicana de incorporar todos os setores sociais nas decisões de poder- pelo perigo da fornalha das pressões sociais, onde sempre a sociedade corre risco de fusão.
É estranho que as resistências ao presidente sejam daqueles que ele liderou e a quem deu a vitória. É preciso compreender que Lula chegou ao poder para diminuir tensões sociais e para construir uma sociedade em que todos tenham de ceder para que se crie um novo tempo de justiça social. Se os movimentos sociais acharem que a vitória de Lula é a oportunidade para transformá-los em movimentos revolucionários, caem num equívoco e, mais do que isso, numa grande tragédia, caminho certo para inevitável fracasso.
Sem lei, não há direitos a reivindicar. Sem direitos, a lei é a da selva. A propriedade foi construída pelo homem, para assegurar a paz: o meu e o teu. Evitar conflito. Nocivo é o abuso da propriedade, sua utilização anti-social. Isso não pode ser motivo de negá-la em seus valores e fundamentos.
As invasões jamais podem ser o caminho da paz social, porque são expressões da guerra social. A violência como instrumento de protesto é um convite ao impasse. A Justiça nas democracias modernas é o Poder moderador, que assegura a sobrevivência da sociedade democrática, marcada por conflitos e pressões. Quando a Justiça se politiza, torna-se parte, desmorona-se o edifício da ordem e abre-se o caminho para o caos.
É preciso que o país tenha bombeiros, em todas as esferas. Ninguém pode fazer uma reforma que não seja a reforma possível. Não há motivos para pânico nem para desespero.
A meteorologia política, assim, está indicando chuvas. Vamos esperar que a frente -quente ou fria- desapareça, levada para os oceanos do passado.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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