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São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Reformas Frankenstein

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI

Da maneira como estão sendo conduzidas, tudo indica que as reformas da Previdência e tributária resultarão numa colcha de retalhos que, se resolverem alguns dos cruciais problemas de caixa da União, dos Estados e dos municípios, se contentarem as demandas do bicho-papão mercado, passarão ao largo de um projeto de nação.
O governo Lula muda de casaca, hesita e só consegue controlar suas próprias bases por meio de um rolo compressor -quanto aos aliados, só os controla pela distribuição de cargos. Por sua vez, os governadores, liderados por Geraldo Alckmin e Aécio Neves, jogam para acumular benefícios fiscais, esquecendo-se até mesmo de suas antigas posições ideológicas.
A questão dos tetos e subtetos dos vencimentos do funcionalismo é exemplo gritante e lamentável. A Constituição de 1988 estabelecia o limite máximo da remuneração dos servidores públicos no âmbito de cada Poder e os subtetos para os Estados e municípios. Pela emenda constitucional nš 19, de 4 de junho de 1998, desaparecem os subtetos, sendo que o teto máximo fica determinado pelo subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Agora, a PEC 40 propõe o retorno da diversidade dos tetos e dos subtetos, estipulando ainda que, nos Estados, os membros do Poder Judiciário não devem receber mais do que os mágicos 75%.
Compreende-se que o governo precise dos governadores para aprovar as reformas e ceda a algumas de suas pressões; incompreensível é a oposição, em particular o PSDB, pressionar para retroceder um passo que ela mesma promoveu.
Sabe-se que a supressão dos subtetos, patrocinada pelo governo Fernando Henrique, foi feita para abrir a possibilidade de que leis complementares viabilizassem uma reforma administrativa. A oposição, notadamente encabeçada pelo PT, foi contra qualquer mudança e demonizou o ministro Bresser Pereira. Agora, o mesmo PT, associado aos governadores, volta a remexer na estrutura dos serviços públicos, criando diferenças arbitrárias entre os vencimentos dos três Poderes e destruindo qualquer paridade entre os funcionários dos Executivos estaduais, já que ficam na dependência do salário de cada governador.
No fundo, governo e oposição procuram fazer caixa, ainda que isso custe triste desfazimento das carreiras públicas; ambos jogam fora suas ideologias e só pensam em aumentar o bolo que lhes trouxer bom êxito nas futuras eleições. A tarefa necessária de encontrar o equilíbrio fiscal converte-se num meio de pressão a fim de arrancar benefícios para a pequena política.


Se algum partido político ainda tem espírito público, que venha explicar no pormenor por que pretende mudar a Constituição
Abandonada à sua própria sorte, cada corporação reage olhando seu próprio umbigo, quer se opondo a qualquer reforma da Previdência, mas colaborando com ela na medida em que não discute soluções viáveis para problemas reais, quer aceitando mudanças, desde que não mexam em seus privilégios.
Exemplo melancólico é o da magistratura, que fica discutindo cabalisticamente se o subteto nos Estados reduzirá em 25% ou 9,75% o vencimento do ministro do Supremo Tribunal Federal e termina programando uma greve que só a desacreditará aos olhos da opinião pública. Do outro lado, as fontes pagadoras inocentemente passam à imprensa os valores dos vencimentos dos magistrados e dos promotores, com o intuito evidente de desmoralizar o Judiciário.
De todas as partes o vexame está montado, e, no horizonte, um conflito entre os Poderes.
Se algum partido político ainda tem espírito público, que venha explicar no pormenor por que pretende mudar a Constituição, quais os benefícios que as mudanças trarão ao funcionamento dos serviços públicos e ao país. Essa exigência de explicação pormenorizada e quantificada vale para todos os pontos das duas reformas. Explicações genéricas servem, em geral, para encobrir manobras da subpolítica, e pressões sem diálogo quase sempre terminam em conflito.

José Arthur Giannotti, filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e coordenador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor de, entre outras obras, "Certa Herança Marxista" (Companhia das Letras) e escreve mensalmente para o caderno Mais!.


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