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São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A caixa de Pandora do Judiciário

CARLOS MIGUEL AIDAR

O Judiciário , em decorrência do movimento de paralisação de juízes e promotores, não deve mais se preocupar com a pecha infundada de "caixa-preta",que lhe foi atribuída pelo presidente Lula; mas deve se acautelar para não assumir o sentido metafórico de "caixa de Pandora", aquela que encerra todos os males e pode ser uma fonte de calamidades para a sociedade e as instituições do país.
A magistratura e o Ministério Público, a exemplo da advocacia, vêm sofrendo com a massificação da carreira, o aumento do volume de trabalho sem contrapartida financeira, as deficiências de pessoal e de equipamentos do Judiciário e a desvalorização profissional decorrentes do novo quadro social, político e econômico do país. Contudo as transformações vão continuar, com as reformas estruturais em discussão no Congresso, modificando ainda mais a realidade dos operadores do direito e gerando um clima de insegurança, que precisa ser superado.
Na democracia plena é impossível ficar com a última palavra. E é isso que o movimento grevista de juízes e promotores pleiteia, quando se nega a dialogar sobre a proposta de reforma da Previdência em discussão. Tornaram-se parte, quando deveriam continuar magistrados da questão. Essa mudança de papel irá mexer com a legitimidade da instituição e seu futuro, porque coloca em xeque seus mecanismos de responsabilidade estatutária frente o conjunto da sociedade.
Somada à greve parcial dos serventuários da Justiça, as paralisações da magistratura e do Ministério Público terão o efeito de engessar o Judiciário. O primeiro dano será sentido pelo jurisdicionado, já lesado por uma Justiça morosa e precária, que demanda das partes anos de litigância até as sentenças finais, em decorrência do excesso de leis, do formalismo processual, da falta de recursos do Judiciário e, obviamente, do desempenho dos magistrados.
Atualmente, não é apenas o crescimento do número de processos que emperra o Judiciário, ainda persistam distorções que interferem na qualidade da Justiça à qual os brasileiros têm acesso. Os prazos só existem para os advogados. Não há prazos para distribuição, intimações e julgamentos dos processos, questões que poderão -ou não- ser equacionadas pela reforma do Judiciário. A paralisação, contudo, agravará esse quadro e tornará esse equilíbrio da prestação jurisdicional ainda mais precário, causando prejuízos à sociedade brasileira, que continuará distanciada de uma Justiça acessível e eficiente.


Na democracia plena é impossível ficar com a última palavra. E é isso que o movimento grevista de juízes e promotores pleiteia
O segundo impacto negativo da paralisação dos juízes e promotores será sentido dentro do próprio Judiciário, que terá sua imagem e autoridade moral desgastadas pelo episódio. Comungamos da premissa de que o Judiciário deve ser tratado como Poder independente, autônomo e forte, mas não podemos esquecer que a Justiça é um serviço público essencial, cuja legitimidade é diariamente validada. Diferentemente do que afirmam os líderes do movimento paredista, a paralisação pode subtrair a credibilidade que a Justiça brasileira amealhou, ao escrever uma história de grandeza, independência e sacrifícios na defesa intransigente do primado da lei e das liberdades democráticas.
Em meio à greve dos juízes, a quem o povo brasileiro e os demais Poderes recorrerão em caso de conflito? Esse vácuo, por certo, se encherá de críticas que abafarão os clamores, justos ou não, dos juízes contra a reforma da Previdência.
Nestes tempos de debates importantes sobre as reformas em curso no país, a presunção do entendimento não pode ser relevada. Nada é mais difícil do que mudar. Contrariando as evidências de que tudo se encontra em perpétua transformação, é do ser humano apegar-se àquilo que já conhece. Por isso, espera-se do Judiciário uma postura mais aberta na discussão de suas prerrogativas previdenciárias e do modelo de Previdência por que a sociedade brasileira anseia. A maioria dos brasileiros reconhece a necessidade de uma reforma da Previdência, que permita ao Estado administrar suas contas e à população ter acesso a uma vida digna ao final de seu ciclo produtivo. Afinal, a seguridade social é financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta.
Os magistrados e promotores lutam para ter tratamento previdenciário diferenciado, baseados no conjunto de direitos e prerrogativas de classe. Já alcançaram vitórias parciais, o que torna sem sentido e radical o movimento de paralisação. Não interessa ao jurisdicionado debater o movimento da perspectiva da legalidade da greve. O país não pode parar para discutir por que até hoje não se regulamentou o instituto da greve no serviço público, 15 anos depois de promulgada a Constituição Federal.
É imprescindível, neste momento, que os membros do Judiciário tenham sensibilidade para não abandonar a via negocial e que o governo Lula viabilize medidas para evitar que se abra uma caixa de Pandora no Judiciário brasileiro, com a paralisação de milhões de processos e a suspensão de milhões de audiências, onerando ainda mais um Poder com orçamento já insuficiente e adiando a reparação judicial de conflitos a um número incontável de brasileiros. Como dizia Rui Barbosa, justiça tardia não é justiça. E não se pode fazer justiça de acordo com as conveniências de momento.

Carlos Miguel Aidar, 54, advogado, é presidente da seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).


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