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TENDÊNCIAS/DEBATES
A caixa de Pandora do Judiciário
CARLOS MIGUEL AIDAR
O Judiciário , em decorrência do
movimento de paralisação de juízes e promotores, não deve mais se
preocupar com a pecha infundada de
"caixa-preta",que lhe foi atribuída pelo
presidente Lula; mas deve se acautelar
para não assumir o sentido metafórico
de "caixa de Pandora", aquela que encerra todos os males e pode ser uma
fonte de calamidades para a sociedade e
as instituições do país.
A magistratura e o Ministério Público,
a exemplo da advocacia, vêm sofrendo
com a massificação da carreira, o aumento do volume de trabalho sem contrapartida financeira, as deficiências de
pessoal e de equipamentos do Judiciário
e a desvalorização profissional decorrentes do novo quadro social, político e
econômico do país. Contudo as transformações vão continuar, com as reformas estruturais em discussão no Congresso, modificando ainda mais a realidade dos operadores do direito e gerando um clima de insegurança, que precisa ser superado.
Na democracia plena é impossível ficar com a última palavra. E é isso que o
movimento grevista de juízes e promotores pleiteia, quando se nega a dialogar
sobre a proposta de reforma da Previdência em discussão. Tornaram-se parte, quando deveriam continuar magistrados da questão. Essa mudança de papel irá mexer com a legitimidade da instituição e seu futuro, porque coloca em
xeque seus mecanismos de responsabilidade estatutária frente o conjunto da
sociedade.
Somada à greve parcial dos serventuários da Justiça, as paralisações da magistratura e do Ministério Público terão o
efeito de engessar o Judiciário. O primeiro dano será sentido pelo jurisdicionado, já lesado por uma Justiça morosa
e precária, que demanda das partes
anos de litigância até as sentenças finais,
em decorrência do excesso de leis, do
formalismo processual, da falta de recursos do Judiciário e, obviamente, do
desempenho dos magistrados.
Atualmente, não é apenas o crescimento do número de processos que
emperra o Judiciário, ainda persistam
distorções que interferem na qualidade
da Justiça à qual os brasileiros têm acesso. Os prazos só existem para os advogados. Não há prazos para distribuição,
intimações e julgamentos dos processos, questões que poderão -ou não-
ser equacionadas pela reforma do Judiciário. A paralisação, contudo, agravará
esse quadro e tornará esse equilíbrio da
prestação jurisdicional ainda mais precário, causando prejuízos à sociedade
brasileira, que continuará distanciada
de uma Justiça acessível e eficiente.
Na democracia plena é impossível ficar com a última palavra. E é isso que o movimento grevista de juízes e promotores pleiteia
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O segundo impacto negativo da paralisação dos juízes e promotores será
sentido dentro do próprio Judiciário,
que terá sua imagem e autoridade moral desgastadas pelo episódio. Comungamos da premissa de que o Judiciário
deve ser tratado como Poder independente, autônomo e forte, mas não podemos esquecer que a Justiça é um serviço
público essencial, cuja legitimidade é
diariamente validada. Diferentemente
do que afirmam os líderes do movimento paredista, a paralisação pode subtrair
a credibilidade que a Justiça brasileira
amealhou, ao escrever uma história de
grandeza, independência e sacrifícios
na defesa intransigente do primado da
lei e das liberdades democráticas.
Em meio à greve dos juízes, a quem o
povo brasileiro e os demais Poderes recorrerão em caso de conflito? Esse vácuo, por certo, se encherá de críticas que
abafarão os clamores, justos ou não, dos
juízes contra a reforma da Previdência.
Nestes tempos de debates importantes sobre as reformas em curso no país,
a presunção do entendimento não pode
ser relevada. Nada é mais difícil do que
mudar. Contrariando as evidências de
que tudo se encontra em perpétua
transformação, é do ser humano apegar-se àquilo que já conhece. Por isso,
espera-se do Judiciário uma postura
mais aberta na discussão de suas prerrogativas previdenciárias e do modelo
de Previdência por que a sociedade brasileira anseia. A maioria dos brasileiros
reconhece a necessidade de uma reforma da Previdência, que permita ao Estado administrar suas contas e à população ter acesso a uma vida digna ao final
de seu ciclo produtivo. Afinal, a seguridade social é financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta.
Os magistrados e promotores lutam
para ter tratamento previdenciário diferenciado, baseados no conjunto de direitos e prerrogativas de classe. Já alcançaram vitórias parciais, o que torna sem
sentido e radical o movimento de paralisação. Não interessa ao jurisdicionado
debater o movimento da perspectiva da
legalidade da greve. O país não pode parar para discutir por que até hoje não se
regulamentou o instituto da greve no
serviço público, 15 anos depois de promulgada a Constituição Federal.
É imprescindível, neste momento,
que os membros do Judiciário tenham
sensibilidade para não abandonar a via
negocial e que o governo Lula viabilize
medidas para evitar que se abra uma
caixa de Pandora no Judiciário brasileiro, com a paralisação de milhões de processos e a suspensão de milhões de audiências, onerando ainda mais um Poder com orçamento já insuficiente e
adiando a reparação judicial de conflitos a um número incontável de brasileiros. Como dizia Rui Barbosa, justiça tardia não é justiça. E não se pode fazer justiça de acordo com as conveniências de
momento.
Carlos Miguel Aidar, 54, advogado, é presidente da seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
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