São Paulo, terça-feira, 25 de julho de 2006

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VINICIUS MOTA

A política e a melancolia

SÃO PAULO - A democracia de massas no Brasil não viveu a era moderna. A urbanização tardia empurrou seu ponto de maturação para algum lugar entre 1970 e 1980. A ditadura alongou-o. Em 1960, Jânio Quadros foi eleito com 5,6 milhões de votos. Mais da metade da população ainda vivia no campo. Quando as urnas voltaram a decidir o presidente da República, 29 anos depois, três em cada quatro brasileiros habitavam cidades. Fernando Collor tornou-se o 24º sucessor de Deodoro, com 35 milhões de votos.
A essa altura, a lógica que moldara a inclusão das massas nos países centrais, que viveu seu período glorioso nos 30 anos que se seguiram ao fim da 2ª Guerra, estava esfacelada. Virou pó o substrato -o pleno emprego- que era o fiador da ascensão social e da conquista de direitos universais e o amálgama da interlocução política: sindicatos e partidos de trabalhadores de um lado, associações patronais de outro.
Nesse mundo "pós-moderno" e sem ter passado pela era anterior, debutava a democracia brasileira de massas. A maioria estava nas cidades, mas empobrecida, sem acesso ao básico da civilização, sem perspectiva de melhorar de vida pelo trabalho e sem condições de ser integrada em nenhum processo clássico de interlocução política.
Francisco de Oliveira não é o primeiro intelectual que atribui "irrelevância" à política ao deparar com esse quadro. Na entrevista publicada ontem na Folha, pintou a atualidade com tintas de melancolia: a experiência petista mostra que não há atores para liderar mudanças sociais; o Estado "financeirizado" obedece a estímulos do exterior.
É muito jovem a democracia de massas no Brasil para merecer diagnóstico terminal. O fim da inflação alta e a extensão e o aprofundamento da rede de proteção social do Estado são obras coletivas da política democrática que significam conquistas duradouras para os mais pobres. Se estão longe de decidir o jogo, ao menos reafirmam que ele continua sendo jogado.


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