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VINICIUS MOTA
A política e a melancolia
SÃO PAULO - A democracia de
massas no Brasil não viveu a era
moderna. A urbanização tardia empurrou seu ponto de maturação para algum lugar entre 1970 e 1980. A
ditadura alongou-o. Em 1960, Jânio
Quadros foi eleito com 5,6 milhões
de votos. Mais da metade da população ainda vivia no campo. Quando
as urnas voltaram a decidir o presidente da República, 29 anos depois,
três em cada quatro brasileiros habitavam cidades. Fernando Collor
tornou-se o 24º sucessor de Deodoro, com 35 milhões de votos.
A essa altura, a lógica que moldara a inclusão das massas nos países
centrais, que viveu seu período glorioso nos 30 anos que se seguiram
ao fim da 2ª Guerra, estava esfacelada. Virou pó o substrato -o pleno
emprego- que era o fiador da ascensão social e da conquista de direitos universais e o amálgama da
interlocução política: sindicatos e
partidos de trabalhadores de um lado, associações patronais de outro.
Nesse mundo "pós-moderno" e
sem ter passado pela era anterior,
debutava a democracia brasileira
de massas. A maioria estava nas cidades, mas empobrecida, sem acesso ao básico da civilização, sem
perspectiva de melhorar de vida pelo trabalho e sem condições de ser
integrada em nenhum processo
clássico de interlocução política.
Francisco de Oliveira não é o primeiro intelectual que atribui "irrelevância" à política ao deparar com
esse quadro. Na entrevista publicada ontem na Folha, pintou a atualidade com tintas de melancolia: a
experiência petista mostra que não
há atores para liderar mudanças sociais; o Estado "financeirizado"
obedece a estímulos do exterior.
É muito jovem a democracia de
massas no Brasil para merecer
diagnóstico terminal. O fim da inflação alta e a extensão e o aprofundamento da rede de proteção social
do Estado são obras coletivas da
política democrática que significam conquistas duradouras para os
mais pobres. Se estão longe de decidir o jogo, ao menos reafirmam que
ele continua sendo jogado.
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