São Paulo, quarta-feira, 25 de julho de 2007 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTONIO DELFIM NETTO Economia e civilização
PARA ENTENDER por que a
economia é uma ciência social (e moral!), e não uma
ciência da natureza como a física
ou a química, basta considerar um
exemplo simples que todos aprendemos no antigo curso secundário.
Foi o grande professor Luiz Ferlante quem me ensinou, em 1939,
que a "misteriosa" fórmula H2O é o
símbolo que representa a água.
Trata-se de uma combinação adequada, em circunstâncias adequadas, de hidrogênio (H) e oxigênio
(O), que produz um líquido indispensável à vida e que, em condições normais, não tem cor, gosto
ou cheiro.
O grande paradoxo que encantou os economistas é que ela tem o
maior valor para a humanidade,
mas até há algum tempo não tinha
preço, devido à sua abundância.
Os químicos continuam a pesquisar as propriedades do indispensável líquido. Sempre que desejam, fazem os obedientes hidrogênio e oxigênio se combinarem
para produzi-lo.
Suponhamos que os átomos de
oxigênio pensassem, aprendessem, pudessem comunicar-se,
transmitir seus desejos e necessidades e organizar-se como "classe"
(ou sindicato) do oxigênio. Um
átomo mais esperto logo assumiria
a liderança da "classe" e manifestaria o seu descontentamento com a
superioridade do hidrogênio (ele
tem dois e eu tenho apenas um) na
formação da água. No limite, ele
decretaria a "greve geral" do oxigênio, que se recusaria a assistir impassível à continuação da desigualdade humilhante. Imagine a surpresa dos químicos com a "resistência" do oxigênio. Imagine o que
seria da já complexa química com
os átomos pensando, organizando-se, comunicando-se, aprendendo,
sentindo desconforto e procurando a felicidade. E imagine a dificuldade de explicar ao oxigênio pensante que a igualdade desejada
(HO ou H2O2) não seria mais a água
e que o seu infinito valor desapareceria.
Pois bem, essa é a complexidade
das ciências sociais, onde não é
possível repetir a experiência no
laboratório e os átomos são agentes e pacientes das interações: pensam, aprendem, comunicam-se,
têm interesses e, mais do que tudo,
formam uma "concepção do mundo" com valores desejados como a
liberdade para realizar-se plenamente, organização social razoavelmente justa e razoavelmente
igualitária e se organizam para obtê-los. É por isso que precisam de
um Estado forte e sob controle
constitucional que garanta a eficiência produtiva. Essa, como disse Keynes, não é a civilização, mas
apenas a preliminar para a possibilidade da civilização...
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
|
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |