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São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Alca, uma questão nacional

JOÃO CAPIBERIBE

Em 1990 , o presidente dos EUA, George Bush (pai), lançou a "Iniciativa para as Américas", com o objetivo de estreitar as relações com a América Latina. Desde então, discute-se no Brasil a questão da Alca com uma visão politicamente míope, sem envolver a sociedade civil. Os pontos mais importantes da "iniciativa" eram os investimentos, dívidas externas e o comércio multilateral.
Por sua vez, Bill Clinton convocou em 1994 os chefes de Estado e de governo do hemisfério, exceto o de Cuba, para a Reunião de Cúpula das Américas, em Miami. Dessa cimeira resultou uma declaração de princípios que propõe um pacto pela preservação e pelo fortalecimento da democracia, promoção da prosperidade, erradicação da pobreza e da discriminação, desenvolvimento sustentável e conservação do meio ambiente.
Nestes nove anos de reuniões, o governo brasileiro participou ativamente, inclusive sediando e presidindo (em Belo Horizonte, 1997) uma das reuniões ministeriais. No entanto a Alca não vinha repercutindo, como seria legítimo, no nosso Parlamento. Só agora, em 2003, no governo Lula, o Brasil decidiu incluir parlamentares como observadores do processo, na 14ª Reunião do Comitê de Negociações Comerciais, realizada de 6 a 11 de julho último, em El Salvador. O conjunto de temas foi muito alargado desde os primeiros passos.
Para nosso espanto -meu e do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG)-, tudo é tratado em inglês ou espanhol. É compreensível. A maioria dos países que compõe a Alca é fruto de colonizações espanholas e inglesas, mas não podemos perder de vista que o português é nosso idioma oficial. Em El Salvador, o embaixador brasileiro na Alca, Adhemar Bahadian, também co-presidente do Comitê de Negociações, marcou seu protesto iniciando deliberadamente o seu discurso em português, o que causou impacto nos presentes.
Se nos ativermos somente a esse episódio, poderemos deduzir que o tratamento que nos é dispensado ainda está aquém da nossa importância. Mas também podemos constatar que, durante todos esses anos de negociações da Alca, o governo brasileiro não envolveu a sociedade civil brasileira na discussão de um tema tão caro para o nosso futuro, por envolver o comércio de bens e serviços e também investimentos, propriedade intelectual e até compras governamentais.
Em El Salvador constatamos que o protecionismo dos EUA se alarga. Dados de 1999 apontam para subsídios agrícolas de quase US$ 17 bilhões. É difícil acreditar que George W. Bush coloque em risco uma possível reeleição, adotando uma atitude positiva de negociação desses subsídios e barreiras tarifárias e não-tarifárias com países que têm setores competitivos, como o Brasil. Dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento registram custos médios de produção de R$ 321 por tonelada para a soja brasileira, contra R$ 656 do produto norte-americano -com a vantagem de o Brasil ocupar nicho estratégico no mercado internacional por não ter ainda capitulado face os transgênicos. Produzimos frango a R$1,41 o kg, contra R$ 3,87/kg, e aço laminado a frio a US$ 310/t contra US$ 430/t.


A Alca não vinha repercutindo, como seria legítimo, no nosso Parlamento


Nossa competitividade de nada vale contra a blindagem protecionista que reduziu a presença do suco de laranja brasileiro em cerca de 20% no mercado norte-americano na última década, graças a tarifas "ad valorem" superiores a 50%. Nosso álcool etílico é vendido com impostos de importação que o tornam cerca de 50% mais caro. As exportações de açúcar caíram cerca de 60% desde que os EUA estabeleceram, em 1982, sistema de cotas. Nosso café é punido porque o Brasil, ao contrário da Colômbia, não possui plantações de coca.
Sem essas barreiras, poderíamos aumentar as exportações sem arrochar as importações, como hoje fazemos, e produzir saldos comerciais com crescimento do PIB, e não com juros nas nuvens e recessão.
É urgente aprofundarmos os debates sobre a Alca, sem esquecermos que o presidente Lula apoiou sua implantação em 2005. Para honrar esse compromisso, é preciso colocar o tema na agenda política brasileira, sem excluir as negociações de outros fóruns cruciais, como a OMC, e nossos interesses nos países andinos, como bem tem ressaltado o ministro Celso Amorim.
Desde já, o Parlamento está atento à Alca, que se inscreve na instauração de uma política industrial relegada ao limbo nos últimos anos. A Comissão de Relações Exteriores do Senado acaba de decidir que o tema terá prioridade em sua pauta, com pelo menos um debate mensal.
Os EUA avançam na construção de acordos bilaterais com vários países latinos. Já a iniciativa brasileira é por um consenso multilateral a partir do Mercosul. Essa posição reforça a tese favorável a um maior envolvimento do Congresso Nacional e da sociedade civil. Também é necessário um maior engajamento da mídia nacional no debate, até agora irrelevante. O tema é prioridade número um do conjunto da nação brasileira, e não apenas do Executivo.


João Capiberibe, 56, senador pelo PSB-AP, é membro titular da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal. Foi governador do Estado do Amapá (1995-2002).


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