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TENDÊNCIAS/DEBATES
Alca, uma questão nacional
JOÃO CAPIBERIBE
Em 1990 , o presidente dos EUA,
George Bush (pai), lançou a "Iniciativa para as Américas", com o objetivo
de estreitar as relações com a América
Latina. Desde então, discute-se no Brasil a questão da Alca com uma visão politicamente míope, sem envolver a sociedade civil. Os pontos mais importantes da "iniciativa" eram os investimentos, dívidas externas e o comércio multilateral.
Por sua vez, Bill Clinton convocou em
1994 os chefes de Estado e de governo
do hemisfério, exceto o de Cuba, para a
Reunião de Cúpula das Américas, em
Miami. Dessa cimeira resultou uma declaração de princípios que propõe um
pacto pela preservação e pelo fortalecimento da democracia, promoção da
prosperidade, erradicação da pobreza e
da discriminação, desenvolvimento
sustentável e conservação do meio ambiente.
Nestes nove anos de reuniões, o governo brasileiro participou ativamente,
inclusive sediando e presidindo (em Belo Horizonte, 1997) uma das reuniões
ministeriais. No entanto a Alca não vinha repercutindo, como seria legítimo,
no nosso Parlamento. Só agora, em
2003, no governo Lula, o Brasil decidiu
incluir parlamentares como observadores do processo, na 14ª Reunião do Comitê de Negociações Comerciais, realizada de 6 a 11 de julho último, em El Salvador. O conjunto de temas foi muito
alargado desde os primeiros passos.
Para nosso espanto -meu e do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG)-,
tudo é tratado em inglês ou espanhol. É
compreensível. A maioria dos países
que compõe a Alca é fruto de colonizações espanholas e inglesas, mas não podemos perder de vista que o português é
nosso idioma oficial. Em El Salvador, o
embaixador brasileiro na Alca, Adhemar Bahadian, também co-presidente
do Comitê de Negociações, marcou seu
protesto iniciando deliberadamente o
seu discurso em português, o que causou impacto nos presentes.
Se nos ativermos somente a esse episódio, poderemos deduzir que o tratamento que nos é dispensado ainda está
aquém da nossa importância. Mas também podemos constatar que, durante
todos esses anos de negociações da Alca, o governo brasileiro não envolveu a
sociedade civil brasileira na discussão
de um tema tão caro para o nosso futuro, por envolver o comércio de bens e
serviços e também investimentos, propriedade intelectual e até compras governamentais.
Em El Salvador constatamos que o
protecionismo dos EUA se alarga. Dados de 1999 apontam para subsídios
agrícolas de quase US$ 17 bilhões. É difícil acreditar que George W. Bush coloque em risco uma possível reeleição,
adotando uma atitude positiva de negociação desses subsídios e barreiras tarifárias e não-tarifárias com países que
têm setores competitivos, como o Brasil. Dados da Secretaria de Comércio
Exterior do Ministério do Desenvolvimento registram custos médios de produção de R$ 321 por tonelada para a soja brasileira, contra R$ 656 do produto
norte-americano -com a vantagem de
o Brasil ocupar nicho estratégico no
mercado internacional por não ter ainda capitulado face os transgênicos. Produzimos frango a R$1,41 o kg, contra R$
3,87/kg, e aço laminado a frio a US$
310/t contra US$ 430/t.
A Alca não vinha repercutindo, como seria legítimo, no nosso Parlamento
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Nossa competitividade de nada vale
contra a blindagem protecionista que
reduziu a presença do suco de laranja
brasileiro em cerca de 20% no mercado
norte-americano na última década, graças a tarifas "ad valorem" superiores a
50%. Nosso álcool etílico é vendido com
impostos de importação que o tornam
cerca de 50% mais caro. As exportações
de açúcar caíram cerca de 60% desde
que os EUA estabeleceram, em 1982, sistema de cotas. Nosso café é punido porque o Brasil, ao contrário da Colômbia,
não possui plantações de coca.
Sem essas barreiras, poderíamos aumentar as exportações sem arrochar as
importações, como hoje fazemos, e produzir saldos comerciais com crescimento do PIB, e não com juros nas nuvens e
recessão.
É urgente aprofundarmos os debates
sobre a Alca, sem esquecermos que o
presidente Lula apoiou sua implantação
em 2005. Para honrar esse compromisso, é preciso colocar o tema na agenda
política brasileira, sem excluir as negociações de outros fóruns cruciais, como
a OMC, e nossos interesses nos países
andinos, como bem tem ressaltado o
ministro Celso Amorim.
Desde já, o Parlamento está atento à
Alca, que se inscreve na instauração de
uma política industrial relegada ao limbo nos últimos anos. A Comissão de Relações Exteriores do Senado acaba de
decidir que o tema terá prioridade em
sua pauta, com pelo menos um debate
mensal.
Os EUA avançam na construção de
acordos bilaterais com vários países latinos. Já a iniciativa brasileira é por um
consenso multilateral a partir do Mercosul. Essa posição reforça a tese favorável a um maior envolvimento do Congresso Nacional e da sociedade civil.
Também é necessário um maior engajamento da mídia nacional no debate, até
agora irrelevante. O tema é prioridade
número um do conjunto da nação brasileira, e não apenas do Executivo.
João Capiberibe, 56, senador pelo PSB-AP, é
membro titular da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal. Foi governador do Estado do Amapá (1995-2002).
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