São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2004

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GRAVE SUSPEITA

Aos poucos vai ganhando corpo a hipótese de que as chacinas de mendigos em São Paulo foram cometidas por grupos racistas. Por enquanto essa é uma mera conjectura, mas que se destaca de outras possibilidades devido a alguns indícios ainda circunstanciais e, principalmente, pela natureza torpe do crime, que não parece obedecer a nenhum princípio de racionalidade.
Embora ainda seja cedo para descartar as hipóteses concorrentes -disputa entre grupos de mendigos, dívidas com traficantes e campanha de "limpeza" promovida por comerciantes-, a violência gratuita das agressões, na qual foram utilizados instrumentos contundentes e não as mais tradicionais armas de fogo, parece mais compatível com um crime de intolerância.
É claro que ainda restam muitas dúvidas. Historicamente, os grupos racistas que atuam no país, conhecidos como "carecas", "skinheads" e várias outras denominações, têm produzido vítimas entre negros, homossexuais e nordestinos, e não entre moradores de rua. Tampouco há precedentes de que essas agremiações tenham promovido chacinas. Os crimes por elas perpetrados pareciam-se mais com delitos de ocasião, cometidos sem maior organização.
A confirmar-se o caráter racial da agressão, a sociedade estará diante de uma situação ainda mais grave. Encontrar e punir os responsáveis pelas mortes é de toda maneira um imperativo. Mas, se a motivação para os assassinatos foi o ódio aos que são diferentes, a responsabilidade passa a ser muito maior. Esse já não seria um crime ordinário, em que os autores visam a uma vantagem material ou buscam um acerto de contas, mas, sim, uma ação que desestabiliza a premissa mesma da vida em sociedade, que é a aceitação do outro.


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