São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2004

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CLÓVIS ROSSI

O ouro que nos falta

SÃO PAULO - Daiane dos Santos tinha tudo para dar errado. Não, não me refiro à história de vida, rica, porém já bem conhecida. Refiro-me especificamente ao dia em que conquistou o quinto lugar nos exercícios de solo da ginástica olímpica.
Primeiro, porque carregava o insuportável fardo das seguidas frustrações de um país que, carente de auto-estima e rico em desenganos sucessivos, precisa, dia sim, outro também, provar que pode competir com outros países e ganhar, mesmo fora de suas (pouquíssimas) especialidades.
Segundo, porque seria a primeira negra a obter medalha nesse tipo de esporte. E o negro, em qualquer país, precisa sempre estar provando que não é inferior ao branco.
O quinto lugar já seria, em qualquer circunstância, um tremendo êxito. Mas, no caso de Daiane, ainda faltava superar uma segunda prova, a da convivência com a não-obtenção de medalha.
Havia todos os motivos para mais uma "brasileirada" na derrota: culpar o juiz, o mau tempo, o bom tempo, a má-fé dos outros competidores, a operação no joelho (ou em qualquer outra parte). Ou então fazer o inverso: crucificar o atleta (no caso, a atleta) que, até um minuto antes da disputa, era endeusada.
A menina, no entanto, foi tão notável no pós-competição quanto havia sido na quadra. "Eu errei. É uma coisa que acontece", disse. O mais absoluto arroz com feijão, distante, pois, das épicas desculpas ou crucificações em que o brasileiro é especialista, com as exceções que apenas confirmam a regra.
Quantas vezes na vida, você, leitor, ouviu de algum governante (vereador, prefeito, deputado estadual, governador, deputado federal, senador, presidente da República) esse verbo "errar", tão desagradável?
E olhe que todos erraram -e erraram muito, porque, ao contrário de Daiane, o Brasil jamais fica em quinto lugar (ou sexto ou trigésimo ou pelo menos perto) em desenvolvimento humano, eqüidade, qualidade da educação, da saúde, de controle de corrupção e por aí vai.


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