|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
O ouro que nos falta
SÃO PAULO - Daiane dos Santos tinha tudo para dar errado. Não, não
me refiro à história de vida, rica, porém já bem conhecida. Refiro-me especificamente ao dia em que conquistou o quinto lugar nos exercícios
de solo da ginástica olímpica.
Primeiro, porque carregava o insuportável fardo das seguidas frustrações de um país que, carente de auto-estima e rico em desenganos sucessivos, precisa, dia sim, outro também,
provar que pode competir com outros
países e ganhar, mesmo fora de suas
(pouquíssimas) especialidades.
Segundo, porque seria a primeira
negra a obter medalha nesse tipo de
esporte. E o negro, em qualquer país,
precisa sempre estar provando que
não é inferior ao branco.
O quinto lugar já seria, em qualquer circunstância, um tremendo
êxito. Mas, no caso de Daiane, ainda
faltava superar uma segunda prova,
a da convivência com a não-obtenção de medalha.
Havia todos os motivos para mais
uma "brasileirada" na derrota: culpar o juiz, o mau tempo, o bom tempo, a má-fé dos outros competidores,
a operação no joelho (ou em qualquer outra parte). Ou então fazer o
inverso: crucificar o atleta (no caso, a
atleta) que, até um minuto antes da
disputa, era endeusada.
A menina, no entanto, foi tão notável no pós-competição quanto havia
sido na quadra. "Eu errei. É uma coisa que acontece", disse. O mais absoluto arroz com feijão, distante, pois,
das épicas desculpas ou crucificações
em que o brasileiro é especialista,
com as exceções que apenas confirmam a regra.
Quantas vezes na vida, você, leitor,
ouviu de algum governante (vereador, prefeito, deputado estadual, governador, deputado federal, senador,
presidente da República) esse verbo
"errar", tão desagradável?
E olhe que todos erraram -e erraram muito, porque, ao contrário de
Daiane, o Brasil jamais fica em quinto lugar (ou sexto ou trigésimo ou pelo menos perto) em desenvolvimento
humano, eqüidade, qualidade da
educação, da saúde, de controle de
corrupção e por aí vai.
Texto Anterior: Editoriais: GRAVE SUSPEITA Próximo Texto: Brasília - Fernando Rodrigues: Crise anunciada Índice
|