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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Senado deve aprovar projeto que prevê a criminalização de condutas homofóbicas?
SIM
Um instrumento justo e necessário
ROGER RAUPP RIOS
UM DOS desafios básicos para a
democracia no Brasil é a construção de uma sociedade sem
discriminações, em que a liberdade
de cada um conduzir sua vida de modo autônomo seja respeitada. Para
tanto, é preciso agir em várias frentes:
medidas educativas, oportunidades
de participação política e serviços públicos de saúde, segurança e justiça
preparados para lidar com a diversidade -tudo isso é necessário.
Nesse contexto, a legislação antidiscriminatória se revela, ao lado das
demais iniciativas, um dos instrumentos mais importantes. Não é por
acaso que, desde o final do nazi-fascismo, preconceito e discriminação
têm sido criminalizados. No Brasil,
por exemplo, a lei nš 7.716/1989 define como crime tratamentos prejudiciais por raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.
As funções que a legislação penal
cumpre são insubstituíveis: além de
possibilitar a punição de atentados
graves contra a vida, a liberdade, a
igualdade e a dignidade humana, a lei
penal tem caráter pedagógico e simbólico. Ela aponta quais são os bens
jurídicos mais relevantes, dentre os
quais se inclui, sem dúvida, numa sociedade democrática e pluralista, o
respeito à diversidade.
Tudo isso se torna urgente quando
preconceitos, costumes e visões de
mundo se voltam contra cidadãos pelo simples fato de não se identificarem ou não serem percebidos como
heterossexuais ("homofobia").
Desde há muito, homossexuais,
bissexuais, travestis e transexuais sofrem agressões físicas e morais intensas: assassinatos, espancamentos,
ofensas verbais, demissão do emprego e exclusão escolar são terrível e
vergonhosamente freqüentes. Essa
dinâmica é alimentada, direta e indiretamente, por opiniões e atitudes intolerantes diante de tudo que contrarie essa mentalidade heterossexista.
Nesse quadro, a inclusão da homofobia entre as formas de discriminação penalmente puníveis é justa e necessária. Necessária porque, além de
ter caráter repressivo pela punição de
atos homofóbicos, atua preventivamente, evitando e desencorajando
tais práticas. Justa porque fortalece o
respeito à diversidade e à dignidade
humana, sem o que não há garantias
para a igual liberdade de todos, independentemente de cor, origem, religião, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou outras formas de
discriminação.
Deixar a homofobia fora da lista de
discriminações que a lei penal sanciona é atentar gravemente contra a democracia, a liberdade e a dignidade
humanas, relegando um sem-número
de cidadãos a uma cidadania de segunda classe.
Ao mesmo tempo, é minar o convívio pluralista e tolerante, sem o que
ninguém pode sentir-se seguro de
que não será discriminado em virtude
de sua identidade ou escolhas fundamentais relacionadas a cor, origem,
religião, raça, sexo, gênero, orientação sexual, deficiência ou idade.
No caso da homofobia, há muito
que avançar, pois homossexuais, travestis e transexuais ainda são estigmatizados e subjugados como seres
abjetos.
Não se trata de cerceamento das liberdades de opinião ou de religião.
Assim como na proibição do racismo,
o que se quer evitar é que a injúria e a
agressão, fomentadoras do ódio e da
violência, campeiem sem restrições,
pondo em risco e ofendendo a vida e a
dignidade.
A proibição de discursos e práticas
discriminatórias não inviabiliza as liberdades de opinião, crença e manifestação. Ao contrário, a prática das liberdades no mundo plural requer seu
exercício sem violência ou intolerância (como, aliás, legitimamente ocorre na criminalização do escárnio público de alguém por crença religiosa).
Prover o Brasil dos instrumentos
para combater a homofobia é tanto
mais necessário quanto mais vulneráveis são os indivíduos e grupos objeto
de preconceito e quanto mais intensa
é a discriminação.
Trata-se não só de imperativo constitucional e de compromisso democrático como também do respeito que
é devido a todos os seres humanos, independentemente de identidade,
preferência ou orientação sexual.
ROGER RAUPP RIOS , 39, doutor em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é juiz federal.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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