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RUY CASTRO
De frente e de perfil
RIO DE JANEIRO - Se você escrever entre aspas o nome "Álvaro
Lins" no Google, saberá que há
222.000 ocorrências dele naquele
serviço de busca. Claro que não me
dei ao trabalho de varejar todas,
nem estou a fim de morrer de velhice consultando o Google, mas as
primeiras 400 e tantas referências
já dão uma idéia.
Duas delas se referem ao escritor
pernambucano Álvaro Lins (1912-1975). Todas as outras tratam de
seu xará, o policial paraibano, nascido em 1967, acusado de formação
de quadrilha armada, lavagem de
dinheiro, facilitação de contrabando e corrupção passiva e, agora, ex-deputado, cassado por quebra de
decoro.
O currículo do primeiro Álvaro
Lins é de outra natureza. Foi um
grande crítico literário -pioneiro
na admiração por Clarice Lispector,
Nelson Rodrigues, João Cabral,
Guimarães Rosa e Murilo Rubião,
corajoso na demolição de homens
poderosos, como Gilberto Amado, e
complacente com Jorge Amado,
que, segundo ele, narrava bem e escrevia mal.
Álvaro Lins não tinha cânones literários. Julgava obra por obra,
donde podia entusiasmar-se com
um livro de estréia e decepcionar-se com o livro seguinte do mesmo
escritor. Tal independência rendeu-lhe não poucos inimigos, um
deles o próprio Nelson.
Como seu homônimo de hoje, Álvaro Lins teve também atuação política: em 1955, defendendo pelo
"Correio da Manhã" a posse de um
presidente eleito (Juscelino), que
os golpistas queriam abortar; e, em
1959, como embaixador do Brasil
em Lisboa, dando asilo político ao
general Humberto Delgado, pior
inimigo do ditador Salazar.
Infelizmente, o Google só quer
saber do Álvaro Lins de hoje, atualmente residindo em Bangu 8. Pior:
pelo menos uma página sobre o escritor é ilustrada com a foto do ex-delegado, de frente e de perfil.
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