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São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Fábricas de diploma

Durante muito tempo, o ensino superior privado foi objeto de ironias. Faziam-se as ressalvas de praxe em favor das ilhas de excelência conhecidas, e o restante era posto no mesmo balaio de má-fé, exploração e péssima qualidade de ensino. Virou hábito falar em cursos universitários por correspondência e faculdades de fim de semana.
Esse panorama era e continua sendo verdadeiro. A grande maioria das faculdades particulares oferece cursos ruins, burla a determinação legal de produzir alguma atividade de pesquisa, nem mereceria o nome de instituição de ensino superior. Muitas delas certamente são fábricas de diplomas, outra expressão que ficou famosa.
O jornalista Josias de Souza, entre outros, tem mostrado que diversas "faculdades" servem de fachada por meio da qual empresários se beneficiam de isenções e outras vantagens. A fiscalização deveria ser mais rigorosa do que é. Mas parece ser hora, também, de vencer o preconceito que condena em bloco toda a rede particular e ignora mudanças em curso.
Numa sociedade tão carente, as faculdades "ruins" têm prestado um enorme serviço. Pelo país afora, elas completam o aprendizado que corresponderia ao ensino médio, quase sempre também precário, quando não intermitente. Sabe-se que o deslocamento prossegue nos demais níveis: o mestrado é a faculdade, o doutorado é o mestrado.
Mas é essa a situação concreta, como diria um "uspiano". O importante é que os ocupantes de cada degrau do ensino estejam motivados a disputar o degrau imediatamente acima. Isso vem ocorrendo graças à porosidade e À onipresença das faculdades privadas, tão difundidas quanto os templos evangélicos com os quais mantêm paralelos.
O diploma obtido nessas faculdades torna-se uma alavanca de ascensão social para jovens que trabalham, ajudam a família e têm ambições a realizar. Assim como despertaram hostilidade nas universidades públicas, as avaliações introduzidas pelo governo anterior foram levadas a sério nas particulares por pressão dos alunos. Às vezes, o mercado funciona bem.
Essa pressão impulsiona a melhora paulatina do padrão médio e o aparecimento, aqui e ali, de bons cursos. Mas há outro fator de mercado. O esvaziamento das universidades públicas -combinação de cortes em áreas menos "rentáveis" e de fossilização ideológica entre os que se opõem a essa política- foi acelerado pelo medo da reforma da Previdência.
Bons professores estão se transferindo do sistema público para o particular, atraídos também pela remuneração. É enganoso, aliás, supor que o sistema privado cresce à custa do outro. Em uma década (1991-2001), o número de estudantes universitários dobrou -de 1,5 milhão para 3 milhões. Mas a proporção deles nas escolas privadas se manteve estável (70%).
Tudo indica que fatores estruturais produzirão, ao longo dos próximos anos, um pelotão bem mais numeroso de faculdades particulares consideradas de elite. Ajudaria se seus dirigentes tivessem em mente que a prova dos nove de uma verdadeira universidade é o investimento que ela faz em objetivos não-imediatos e em saberes aparentemente inúteis.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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