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MARCOS NOBRE
O estranho caminho de Santiago
NA CINEMATOGRAFIA de
João Moreira Salles, "Santiago" é o segundo exercício
explícito sobre a transparência. É o
filme que vem depois de "Entreatos", o documentário dos bastidores da campanha de Lula em 2002.
Em "Santiago", a promessa de
transparência que não se cumpre
não é simplesmente a da relação de
um patrão com seu empregado
mordomo, o que seria apenas óbvio. É também destino de um filme
que começou a ser rodado no momento histórico que levou ao impeachment de Fernando Collor e
que só foi retomado no ano do episódio do "mensalão".
Entre 1992 e 2005, a experiência
que "Santiago" mimetiza é a do engodo da transparência absoluta.
Não há mais segredos por desvendar. A manipulação é aberta, escancarada. Do personagem Santiago, da equipe de filmagem, do próprio narrador. João Moreira Salles
deu "seu" texto para um irmão narrar. Nos créditos do filme, o nome
aparece logo após o do diretor.
Alguém que conta uma história
fingindo que conta uma história
que de fato conta é sabidamente
um enganador. Também Machado
de Assis já fez isso mais de uma vez.
Em "Memórias Póstumas", em
"Dom Casmurro". Mas não há em
"Santiago" as "rabugens do pessimismo" que fazem de Brás Cubas
um autor peculiar.
A mansão modernista do filme
prometia a transparência da luz do
dia com que aparece todo o tempo.
O cubículo em que Santiago está
encerrado pelo enquadramento está longe dessa promessa dos anos
1950. Não há luz mundana que possa trazê-la de volta.
Sim, porque há paragens místicas no filme de Moreira Salles. Afinal, a ilusão real de toda a história
brasileira dos últimos 50 anos, a da
transparência absoluta, tem como
única contrapartida no filme a
idéia (explicitada em um "epílogo
edificante") de que as coisas não fazem mesmo muito sentido.
Mostrar a armadilha da transparência em funcionamento mostra a
grandeza do filme e do seu artesão.
Mas João Moreira Salles não resiste à tentação da parábola, por irônica que seja. E o velho truque da
falta de sentido do mundo continua a ser senha para escapismos
rumo ao mistério.
No documentário "Nelson Freire", de 2003, o mistério é, classicamente, o do gênio. No caso de "Santiago", o mistério é o da memória.
Todas as lembranças são entrecortadas abruptamente por planos de
tela escura.
Há muito do misticismo mundano do cineasta japonês Ozu no filme. O que lhe falta é a dessacralização radical de Buñuel. O diretor espanhol de "O estranho caminho de
Santiago" poderia ter levado João
Moreira Salles para além da armadilha que seu próprio filme disseca.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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