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JOÃO SAYAD
Bosch
O Brasil modernizado parece
um quadro do Bosch. Dezenas de
homens e mulheres desproporcionalmente pequenos e animais monstruosos se distribuem sobre a tela. Montanhas e prados ocupam dois terços do
quadro; o horizonte de céu e nuvens
aparece apenas para acentuar o caráter fechado e sufocante da paisagem.
Algumas figuras estão sendo tragadas por buracos na terra, outras são
devoradas por bestas imaginárias com
chifres, rabos e escamas ou fervem em
caldeirões fumegantes. Rostos inexpressivos não mostram dor ou medo.
Os homúnculos lembram os milhões de brasileiros lutando pela sobrevivência, procurando emprego, assaltados pela violência urbana, vivendo em tocas, favelas ou sob as pontes.
A confusão aparente dos quadros de
Bosch se esclarece quando aprendemos os títulos -"Sete Pecados Capitais"; "A Morte do Avarento"; "Juízo
Final".
No Brasil, a chave da explicação para
a paisagem surrealista e desolada pode ser descoberta num canto do quadro, onde está um pequeno grupo
com chapéus altos e ar taciturno -a
diretoria do Banco Central. O conjunto jovem e arrogante remexe o caldeirão colocado sobre fogo forte, vermelho e cheio de luz. A cerimônia mágica
fixa a taxa de juros e o destino das miseráveis figuras do quadro.
Por razões esotéricas, aumentam a
taxa de juros em 0,5 ponto percentual.
Gastaram US$ 1,5 bilhões. A ninguém
se perguntou nada. A decisão é soberana.
O dinheiro gasto com uma penada é
suficiente para construir 15 km de metrô (São Paulo tem 41 km, construídos
durante 30 anos), uma usina hidroelétrica como Ilha Solteira ou milhares de
empregos.
O programa "Fantástico" da semana
passada mostrou erros e desperdícios
dos gastos sociais. Todas as políticas
têm objetivos, efeitos colaterais, desvios e erros.
Os feiticeiros criticam os gastos sociais: a universidade brasileira, porque
alguns alunos poderiam pagar a mensalidade e não pagam; o programa de
Aids, porque aidéticos que ganham
R$ 2.000 por mês são atendidos.
Os US$ 1,5 bilhão gastos na quarta-feira reduzem apenas os preços dos
setores competitivos da economia
-produtos agrícolas não-exportáveis, produtos de empresas menores
ou setores onde trabalham as pessoas
mais pobres. Não afetam tarifas públicas (16% dos índices de preços) nem
os preços dos setores oligopolizados e
mais modernos da economia. Reduzem a taxa de câmbio, que não deveria
ser reduzida.
A política de juros altos segura os
preços competitivos, estrangulando a
demanda agregada, para que não possam reagir aos aumentos de preços indexados ou não-competitivos. Como
um algoz que segura a vítima por trás
para que outro possa esmurrá-la mais
facilmente. É política sem foco, com
efeitos colaterais indesejados e muitos
desvios. Maior e mais ineficiente do
que o pior dos programas sociais.
Enquanto isso, bestas imaginárias
atemorizam os homúnculos brasileiros, vítimas inexpressivas dos feiticeiros escondidos no canto do quadro.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net
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