São Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 2005

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A ARMA DO REFERENDO

Ainda durante a apuração dos votos do referendo sobre a proibição do comércio de armas e munições, diversos grupos já se puseram a propor novas consultas. Há temas para todos os gostos. Partidários do "não", vitoriosos na consulta de domingo, já falam em submeter ao crivo popular a redução da maioridade penal e a instituição da prisão perpétua. Já o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Velloso, defensor do uso regular de plebiscitos, propôs uma consulta acerca da descriminação do aborto em casos de anencefalia.
Referendos e plebiscitos são ferramentas democráticas das quais o Brasil lamentavelmente se utiliza pouco. É o caso de ampliar o número das consultas e torná-las mais regulares. Mas isso não significa que se possa perguntar qualquer coisa. O próprio referendo sobre as armas é um bom contra-exemplo. Foram gastos cerca de R$ 250 milhões para decidir sobre um dispositivo de reduzido impacto. O investimento teria valido a pena se mais perguntas tivessem sido levadas à população, o que não ocorreu.
Outro exemplo de consulta estapafúrdia é o da prisão perpétua. Tal pena é expressamente banida pela Constituição (art. 5º, inciso XLVII), em dispositivo que constitui cláusula pétrea. Um plebiscito para instituí-la seria, portanto, ilegal. E o mesmo vale para a pena de morte.
É preciso lembrar ainda que bons referendos não devem resultar em leis que criem gastos. A Califórnia caiu nessa armadilha. Belíssimos e caríssimos projetos foram aprovados, num processo que praticamente quebrou o governo do mais próspero Estado do país mais rico do mundo.
Deve-se considerar também o risco da contaminação política. Como a Europa ensinou em plebiscitos recentes, muitas vezes a população encontra na votação uma oportunidade para protestar contra o governo de turno, transferindo a questão central para segundo plano.
Seja como for, a democracia brasileira pode e deve incorporar consultas a seu calendário eleitoral, mas restritas a temas que impliquem mudanças de vulto e observadas as cautelas constitucionais e do bom senso. A título de exemplo, alguns temas que parecem apropriados são o fim do voto obrigatório, a adoção do sistema eleitoral distrital ou a extinção da vice-Presidência.


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