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TENDÊNCIAS/DEBATES
Nem seis nem meia dúzia
JOSÉ ELI DA VEIGA
Mesmo antes da repugnante regressão cultural assumida pelos dois candidatos, só havia uma saída honrosa:
a objeção de consciência
É sutil a diferença programática
entre as duas coligações que disputam o segundo turno.
Ambas se dizem estatizantes,
embora tenham feito governos
igualmente pragmáticos. Uma defende o Programa de Aceleração do
Crescimento; a outra, um programa
Acelera Brasil. Só pensam em acelerar, por pior que seja a visibilidade, impondo uma escolha entre
seis e meia dúzia.
Claro, existem diferenças cruciais entre os partidos líderes, mas hoje elas são apenas sociológicas.
O PT emana muito mais do povão,
de barnabés e de camadas emergentes, enquanto o PSDB vem mais
da classe média ilustrada e do patronato modernoso.
Por isso, se a oposição ganhar,
haverá radical renovação da "nomenklatura". Mas para fazer mais
do mesmo, substituindo toscos sindicalistas e suas Erenices por brilhantes "punhos de renda" e seus
Paulos Pretos.
Ao contrário dos partidos líderes,
as duas coligações são essencialmente oligárquicas. Uma esconde
que é Sarney, Renan, Barbalho e Jucá, enquanto a outra faz de tudo para não mostrar que é Kátia Abreu,
ACM Neto, Bornhausen e Agripino.
O pilar da propaganda da situação não é contestado pela oposição. O que Dilma mais repete, e Serra consente, é que só continua pobre menos de um terço da população. Todavia, a metade não tem
acesso a esgoto. Em 2009, eram 41% os domicílios, nos quais ocorrem as mais altas densidades de
habitantes.
Isso reduz a inteligência das pessoas, por causa de infecções parasitárias na infância. Evidência consolidada por estudo da equipe conduzida por Cristopher Epping, publicado no periódico "Proceedings of
the Royal Society" e relatado pelo
médico Drauzio Varella em sua coluna de 11/9 ("Inteligência e pobreza") nesta Folha.
Diarreias infantis roubam do cérebro as calorias necessárias ao seu
desenvolvimento. Se, em 16 anos
de governos FHC e Lula, o andar de
baixo tivesse obtido acesso a algo
tão essencial quanto o saneamento
básico, teriam aumentado as médias de QI, quociente de inteligência, e o consequente rendimento
dos jovens nas escolas.
Então, não se trata de escolher
entre dois dos mais valorosos resistentes da luta contra a ditadura, como tentam fazer crer as campanhas. Manobra que vai funcionar,
porque não são os fatos que mais
influenciam o voto. Ele é mais determinado pelo sistema límbico do
que pelo córtex pré-frontal.
Mas isso não deve enganar quem
está preocupado com as próximas
gerações. Estes precisam comparar
projetos de nação e de sua inserção
mundial, ilustres ausentes do segundo turno, pois a candidatura
que apresentou programa de governo com mudança de rumo ficou em
terceiro lugar.
As duas coligações se recusam a
acabar com os leilões de energia para novas termelétricas movidas a
óleo diesel ou a carvão mineral, como lhes foi proposto na "Agenda
por um Brasil Justo e Sustentável"
de Marina. Prática caracterizada
como "crime de lesa-humanidade"
pelo físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite em 31/3/2009 neste
mesmo espaço ("O crime perfeito").
Em suma, propensões e simpatias por Dilma ou por Serra nada
têm a ver com a sustentabilidade do processo de desenvolvimento.
Mesmo antes da repugnante regressão cultural assumida pelos
dois ao bajularem caciques religiosos, só havia uma saída honrosa: a
objeção de consciência.
No dia 31, será melhor visitar alguma área de proteção ambiental
do que ser constrangido a votar em
branco ou nulo. E voltar de mangas
arregaçadas para preparar a virada
de 2014.
JOSÉ ELI DA VEIGA, 62, é professor titular de
economia da USP.
Site: www.zeeli.pro.br.
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