São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Oposição

A política brasileira está sendo organizada para negar ao país oposição capaz de oferecer a alternativa democratizante, produtivista e moralizadora que o eleitorado tentou obter na eleição de 2002. Surgem duas oposições incapazes de desempenhar esse papel.
A primeira oposição incapaz é o PSDB. Não pode ser oposição porque já está no poder em tudo menos na identidade dos que ocupam cargos de governo. Apesar do afã de ambos os lados para emprestar credibilidade ao embate entre o PSDB e o PT, não há como esconder que o projeto tucano-petista é um só. A diferença é que o PT no poder representa a versão fossilizada e medrosa da causa comum. Por isso mesmo, radicaliza na primazia dada à confiança financeira, na orientação meramente compensatória da política social e na complacência com acertos entre plutocratas e governantes. Acertos articulados por negocistas que atuam dentro e fora dos fundos de pensão e dos bancos públicos. A semelhança psicológica entre o atual presidente e seu antecessor -ambos descrentes, charmosos, mundanos e desfrutáveis- realça a irmandade dos dois governos.
A segunda oposição incapaz é a esquerda do PT. Tem proposta estreita e sectária que reflete os interesses e as idéias da base histórica que o PT no poder abandonou. Nada mais cômodo para o governo do que reivindicar contra essa esquerda o realismo e a moderação. E continuar trocando homenagens com o PSDB, ansioso para representar a ponta avançada da estratégia comum.
Hoje a tarefa prioritária na política brasileira é preparar oposição ampla, que ponha no centro do debate nacional a democratização das oportunidades de trabalho e de ensino e o rompimento dos vínculos entre os poderosos e os endinheirados. A obra dessa oposição é capacitar os brasileiros que não têm padrinhos, instrumentalizando-lhes a energia. Não pode ser preconceituosa ou excludente; precisa reunir todas as forças inconformadas com políticas e práticas que nos renderam mistura venenosa de estagnação econômica, corrupção política e submissão nacional. E tem de enfrentar com coragem e clareza o tema tabu da política brasileira: o lugar de São Paulo na Federação.
Aos olhos do país, o projeto tucano-petista -de modernização sem imaginação e sem insubordinação- é o projeto de São Paulo, idealizado e executado por paulistas sob a égide de idéias, urdidas em São Paulo, que desdenham como populista ou oligárquica a política que se faz fora de São Paulo. Paradoxalmente, a maior vítima desse projeto tem sido São Paulo, atacado não só em seus interesses materiais mas também em seus valores característicos - os valores dos esforçados. E atormentado pela ascensão dos malandros políticos e empresariais que deitam e rolam no ambiente instaurado pelo esquema tucano-petista. Que a rebelião contra o modelo pseudo-paulista se inicie e se aguce em São Paulo, reconciliando São Paulo com o Brasil.
Agora é o momento de reunir forças sociais e de firmar diretrizes programáticas. Só depois virá a hora de tratar com os partidos. Faltam lideranças conhecidas em todo o país que encarnem a alternativa necessária; elas se revelarão no curso da luta. O projeto tucano-petista acabará por ser repudiado porque ofende e sufoca uma nação que quer decência e venera vitalidade.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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