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CARLOS HEITOR CONY
As caldeiras do inferno
RIO DE JANEIRO - Uma historinha que ouvi no seminário, envolvendo
um padre e o Diabo, serve para ilustrar o que está acontecendo comigo
nas últimas semanas.
O padre foi chamado para exorcizar um cara que estava possuído pelo
demônio. Quando começou o exorcismo, dizendo as palavras rituais e
preparando-se para jogar água benta
em cima do endemoniado, o Diabo,
como é praxe nessas situações, começou a soltar os podres do exorcista:
"Quem é você para mandar em mim,
seu filho... Você é pedófilo, estuprador de freiras... e o dinheiro que roubou da caixinha das almas? Pensa
que eu não vi? E aquele garoto que
você diz que é seu sobrinho, mas é seu
amante? Então é você que vem me
expulsar, sendo pior do que eu?".
O padre esperou a revelação dos podres, mas, antes de jogar água benta
em cima do endemoniado, fez uma
cara de alívio. Urrando, fazendo um
esporro dos diabos, o Diabo deu um
uivo terrível, mas obedeceu ao "vade
retro" que o mandou de volta às caldeiras do inferno.
Outros padres que assistiam ao
exorcismo repararam no alívio do
exorcista depois de revelada a extensa lista de podres que o Diabo lhe atirara na cara. Perguntaram por que
ficara tão satisfeito. O exorcista explicou: "Este Diabo é camarada, é um
pobre diabo, que não sabe de nada...
se soubesse de tudo..."
Não pratico nem pratiquei exorcismos, não faz meu gênero expulsar o
Diabo dos outros ou de mim mesmo.
Mas alguns desocupados que me
mandam e-mails e alguns colegas
ocupados com o ofício do bem estão
como o pobre diabo da historinha
que contei.
Preocupados em revelar os meus
podres, ou pouquíssimo sabem de
mim ou sabem e piedosamente me
poupam. Não disponho de água benta para jogar em cima deles e, mesmo
que dispusesse, não faria isso. Pelo
contrário: se pudesse, faria alguma
coisa para tirá-los das caldeiras do
inferno em que estão vivendo.
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