São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

As caldeiras do inferno

RIO DE JANEIRO - Uma historinha que ouvi no seminário, envolvendo um padre e o Diabo, serve para ilustrar o que está acontecendo comigo nas últimas semanas.
O padre foi chamado para exorcizar um cara que estava possuído pelo demônio. Quando começou o exorcismo, dizendo as palavras rituais e preparando-se para jogar água benta em cima do endemoniado, o Diabo, como é praxe nessas situações, começou a soltar os podres do exorcista: "Quem é você para mandar em mim, seu filho... Você é pedófilo, estuprador de freiras... e o dinheiro que roubou da caixinha das almas? Pensa que eu não vi? E aquele garoto que você diz que é seu sobrinho, mas é seu amante? Então é você que vem me expulsar, sendo pior do que eu?".
O padre esperou a revelação dos podres, mas, antes de jogar água benta em cima do endemoniado, fez uma cara de alívio. Urrando, fazendo um esporro dos diabos, o Diabo deu um uivo terrível, mas obedeceu ao "vade retro" que o mandou de volta às caldeiras do inferno.
Outros padres que assistiam ao exorcismo repararam no alívio do exorcista depois de revelada a extensa lista de podres que o Diabo lhe atirara na cara. Perguntaram por que ficara tão satisfeito. O exorcista explicou: "Este Diabo é camarada, é um pobre diabo, que não sabe de nada... se soubesse de tudo..."
Não pratico nem pratiquei exorcismos, não faz meu gênero expulsar o Diabo dos outros ou de mim mesmo. Mas alguns desocupados que me mandam e-mails e alguns colegas ocupados com o ofício do bem estão como o pobre diabo da historinha que contei.
Preocupados em revelar os meus podres, ou pouquíssimo sabem de mim ou sabem e piedosamente me poupam. Não disponho de água benta para jogar em cima deles e, mesmo que dispusesse, não faria isso. Pelo contrário: se pudesse, faria alguma coisa para tirá-los das caldeiras do inferno em que estão vivendo.


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