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DEMÉTRIO MAGNOLI
Árvores da Aids
Wangari Maathai é o nome
da bióloga e ativista queniana
agraciada com o Nobel da Paz de 2004.
Em 1971, Maathai tornou-se a primeira mulher centro-africana a conseguir
um título de doutorado. Em 1977, fundou o Movimento Cinturão Verde,
uma organização de mulheres dedicada ao reflorestamento que plantou 30
milhões de árvores.
Maathai atravessou a ponte que conecta o ambientalismo à política e,
muitas vezes, desafiou o poder do ex-ditador Daniel Arap Moi. Os ambientalistas celebraram sua consagração
como um reconhecimento do nexo
entre a defesa da paz e a do ambiente.
Mas, quando se trata da Aids, a bióloga Maathai revela desprezo pela ciência. Após a entrega do Nobel, ela reiterou sua antiga opinião de que o vírus
da Aids "foi criado por cientistas para
a guerra biológica", com a finalidade
de dizimar os negros africanos, e voltou a afirmar que o uso de preservativos não é eficaz contra a transmissão
do vírus.
As opiniões de Maathai participam
de uma corrente de teorias conspirativas que acompanharam a difusão da
epidemia na África. Outras versões
dessas teorias asseguram que a Aids
não tem origem viral, mas ambiental.
Há ainda os que julgam os coquetéis
anti-Aids nocivos à saúde. Fincando
uma bandeira nesse território diversificado, o cardeal Alfonso Lopez Trujillo, do Vaticano, argumentou que, por
ser muito pequeno, o vírus da Aids
atravessa os preservativos.
As teorias conspirativas de diversas
origens foram incorporadas por diversos Estados africanos, que as usaram como base "científica" para justificar prioridades orçamentárias que
não contemplavam o combate à Aids.
Na África do Sul, até há pouco o governo de Thabo Mbeki negava a existência de uma pandemia de Aids e alocava recursos para pesquisas sobre as
"verdadeiras" causas da doença.
Entre os 39 milhões de infectados
pelo HIV no mundo, 25 milhões vivem na África subsaariana. Ao contrário do que parece, as causas da pandemia não se encontram na pobreza,
mas na política. Na África do Sul, com
PIB per capita de US$ 10,7 mil, quase
22% da população adulta é portadora
do HIV. Em Uganda, com PIB per capita de US$ 1,8 mil, a prevalência do
HIV entre adultos reduziu-se de 12%
para 4% na última década. A diferença
é que Uganda distribuiu preservativos
à população, forneceu coquetéis às
gestantes e investiu em saneamento
básico, garantindo a segurança da
mistura de leite em pó com água ministrada aos bebês de mães portadoras do vírus.
Na África central e austral, a pandemia dizima povoados inteiros, que
exibem campos sem cultivo e rebanhos vagando soltos. Em algumas
áreas, imagens orbitais captadas com
intervalo de uma década evidenciam a
recolonização da paisagem pela savana. Nesses lugares, é a Aids que planta
árvores.
Doenças infecciosas, em sua maior
parte, vitimam principalmente crianças e idosos. A epidemia de Aids na
África tem efeitos similares aos da
guerra, vitimando principalmente os
adultos. Mas, diferentemente da guerra, a Aids atinge homens e mulheres
em proporção semelhante. Do ponto
de vista demográfico, ela tende a produzir sociedades de adolescentes órfãos. Essas massas de jovens formam a
base de recrutamento das milícias armadas que assolam o continente. As
teorias conspirativas ecoadas pela detentora do Nobel da Paz semeiam a
guerra.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
magnoli@ajato.com.br
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