São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2006

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Disciplinar o lobby

Falta de transparência, com início na campanha, impede vinculação entre políticos e os interesses de quem os financia

"EU MESMO esperava mais". De autoria do deputado Alberto Fraga (PFL-DF), a frase ilustra à perfeição o ambiente de promiscuidade entre grupos de interesse privado e o poder público no Brasil. Líder da ala conhecida como "bancada da bala", por rejeitar a proibição do comércio de armas de fogo, Fraga recebeu R$ 282,5 mil de empresas de armamentos e munição para financiar sua campanha eleitoral. Achou pouco.
Em situação semelhante encontram-se ao menos 36 deputados federais reeleitos em outubro. Todos estiveram envolvidos em comissões ou relataram projetos de lei sobre temas relacionados ao interesse de parte dos doadores de suas campanhas.
Setores que ocupam fatias expressivas do mercado e encontram-se sob ameaça de eventuais alterações na legislação tendem a ser os contribuintes mais generosos. Não à toa, empresas fabricantes de bebidas alcoólicas, tabaco e armas lideram a lista de patrocinadores: juntas, distribuíram R$ 13 milhões no último pleito e ajudaram a eleger 12% do Congresso Nacional.
A prática do lobby não envolve necessariamente ilícitos. O Código de Ética da Câmara não proíbe ao deputado a participação em comissões formadas para deliberar a respeito de assuntos de interesse de seus financiadores. Tampouco estabelece limites para doações ao parlamentar por grupos eventualmente beneficiados por sua atuação.
A pressão de empresas e organizações sobre a atividade parlamentar é constitutiva dos regimes democráticos nos países mais desenvolvidos. Exercida de modo transparente, pode representar papel importante na materialização de anseios legítimos da sociedade civil. Por esse motivo, é preciso haver regulação clara sobre a atividade e um mapeamento explícito das forças em disputa. Justamente o contrário do que ocorre no Brasil.
O sistema eleitoral organiza-se de forma a encobrir os esteios financeiros dos parlamentares, não raro mais úteis para compreender suas inclinações do que a filiação partidária. Embora parcela expressiva dos congressistas atue afinada a interesses corporativos, a escassez de normas favorece o escamoteamento dessas ligações -e, por extensão, o clientelismo e a corrupção.
Por mais avanços que tenha representado, a prestação de contas pela internet ainda contribui pouco para elucidar os laços entre políticos e financiadores.
Uma brecha na lei, por exemplo, permite às empresas doar recursos aos partidos em vez de repassá-los diretamente aos candidatos. Com isso, o nome da instituição só vem à tona na internet seis meses após as eleições: até lá, é a sigla que aparece como doadora na prestação de contas dos candidatos. Em virtude desse detalhe capcioso, seguem ocultos os responsáveis pela doação de R$ 66 milhões para campanhas de 2006.
Nos Estados Unidos, a legislação determina as situações em que empresas ou organizações podem fazer lobby sobre o Congresso e o governo. O Brasil faria bem se seguisse o exemplo.


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