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CLÓVIS ROSSI
Memórias que nunca dormem
SÃO PAULO - Até anteontem, só
uma coisa me surpreenderia mais
do que alguém me dizer que o Citibank poderia quebrar: se alguém
me dissesse que o São Paulo poderia, algum dia, cair para a segunda
divisão. Não que não seja desejável
(a queda do São Paulo), mas a suposição é absurdamente irrealista.
Como era a quebra do Citibank,
que, no entanto, só não aconteceu
porque o governo deu uma ajudazinha de US$ 20 bilhões (o suficiente
para comprar 40 mil mansões de
quatro dormitórios e 788 metros
quadrados de área total no Morumbi, conforme anúncio de ontem de
uma grande corretora).
Fora a garantia descomunal para
papéis que podem ser "tóxicos".
Pelo menos na minha memória, o
Citi era, na área financeira, o equivalente ao São Paulo de hoje no futebol: forte, campeão sucessivas vezes, modelo. Mas era também mais
arrogante do que os são-paulinos,
pelo menos os que conheço mais de
perto.
Bill Rhodes, um dos principais
executivos do banco desde que minha memória alcança (e olha que alcança longe), era o verdadeiro
"Mestre do Universo" na negociação da dívida externa dos países latino-americanos nos anos 80, Brasil incluído. Passava sermão em ministro atrás de ministro, ditava regras, era, a rigor, até mais importante do que o secretário do Tesouro da
época ou o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (se não
era mais importante, parecia ser).
O Citi era tão influente que um
slogan seu ("The Citi never sleeps"
ou o Citi nunca dorme) foi encampado pela cidade de Nova York, que
geralmente exporta slogans/modismos em vez de importá-los.
Pois é, o Citi dormiu e foi até a
beira do precipício. E o foi justamente depois que muita gente boa
dizia que passara o pior da crise no
setor financeiro. Se é assim, ninguém mais pode ser dado como seguro. Nem o São Paulo, espero.
crossi@uol.com.br
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