São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2010

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CARLOS HEITOR CONY

A memória que falha

RIO DE JANEIRO - Estou ficando cismado comigo mesmo. Todos os dias, leio nas folhas ou na internet que os suspeitos de corrupção têm um ponto em comum: todos, sem exceção, invocam o passado de lutas contra o arbítrio, a ditadura, a repressão.
Numa carta em que explicou os motivos do pedido de licença do cargo, um senador invocou o seu passado de combate ao regime militar. Nos tempos de FHC, que, como Lula, foi acusado de tolerar a corrupção, seus defensores argumentavam que eles eram perseguidos enquanto seus detratores de então estavam no poder.
Impressionante o número de resistentes ao golpe de 1964. Puxo pela memória e constato que ela me trai. Pelo que me lembro, naquele ano foram poucos, pouquíssimos, os que reagiram contra o movimento militar.
Mais tarde, em 1968, com o AI-5, o número aumentou consideravelmente, mas coube todo nas celas das PMs e dos DOI-Codis e nos aviões que transportavam os banidos. Mortos e feridos foram bastantes. Humilhados e ofendidos foram muitos. Mas a maioria, pelo que recordo e vejo nos livros e jornais da época, cruzava os braços e tratava de aproveitar o Milagre Brasileiro.
Em 1965, houve um ato público contra a ditadura durante uma conferência da OEA no hotel Glória (Rio). Apenas oito gatos pingados vaiaram o presidente da República, e foram em cana.
Este equívoco está se tornando histórico. Hoje temos enfim a maioria absoluta da opinião pública exigindo que o governo abra os arquivos da ditadura. Dona Dilma teve seu dossiê revelado, acredito que em parte -o que apenas a engrandece. E mostra o grau de violência e boçalidade de um regime que, afinal, e em seus começos, foi elogiado por muitos e tolerado até certo ponto por todos.


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