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CARLOS HEITOR CONY
A memória que falha
RIO DE JANEIRO - Estou ficando
cismado comigo mesmo. Todos os
dias, leio nas folhas ou na internet
que os suspeitos de corrupção têm
um ponto em comum: todos, sem
exceção, invocam o passado de lutas contra o arbítrio, a ditadura, a
repressão.
Numa carta em que explicou os
motivos do pedido de licença do
cargo, um senador invocou o seu
passado de combate ao regime militar. Nos tempos de FHC, que, como Lula, foi acusado de tolerar a
corrupção, seus defensores argumentavam que eles eram perseguidos enquanto seus detratores de
então estavam no poder.
Impressionante o número de resistentes ao golpe de 1964. Puxo pela memória e constato que ela me
trai. Pelo que me lembro, naquele
ano foram poucos, pouquíssimos,
os que reagiram contra o movimento militar.
Mais tarde, em 1968, com o AI-5,
o número aumentou consideravelmente, mas coube todo nas celas
das PMs e dos DOI-Codis e nos
aviões que transportavam os banidos. Mortos e feridos foram bastantes. Humilhados e ofendidos foram
muitos. Mas a maioria, pelo que recordo e vejo nos livros e jornais da
época, cruzava os braços e tratava
de aproveitar o Milagre Brasileiro.
Em 1965, houve um ato público
contra a ditadura durante uma conferência da OEA no hotel Glória
(Rio). Apenas oito gatos pingados
vaiaram o presidente da República,
e foram em cana.
Este equívoco está se tornando
histórico. Hoje temos enfim a maioria absoluta da opinião pública exigindo que o governo abra os arquivos da ditadura. Dona Dilma teve
seu dossiê revelado, acredito que
em parte -o que apenas a engrandece. E mostra o grau de violência e
boçalidade de um regime que, afinal, e em seus começos, foi elogiado por muitos e tolerado até certo
ponto por todos.
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