São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

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DEPOIS DO VÉU

Depois do véu, a barba. A decisão do governo francês de proibir o uso de símbolos religiosos ostensivos na escola pública começa a mostrar problemas. Como admitiu o ministro da Educação Nacional, Luc Ferry, diante da comissão que prepara a lei de laicidade nas escolas, se muçulmanos transformarem a barba num símbolo religioso, ela também precisará ser banida dos estabelecimentos oficiais de ensino. Para o ministro, o "arbitrário dos signos (...), que permite inventar signos a partir de uma simples pilosidade", exige que a lei seja vaga para poder enquadrar casos imprevistos.
Não é, porém, preciso recorrer à lingüística para perceber que uma eventual proibição das barbas representa um forte golpe contra as liberdades individuais. De fato, a novela da proibição dos véus começa a adentrar o terreno do grotesco. O que se proscreverá depois da barba?
Apesar do claro exagero que as autoridades francesas estão prestes a cometer, a discussão em torno de símbolos religiosos e da laicidade da escola pública não é de modo algum sem propósito. Faz sentido o objetivo das autoridades francesas de integrar todos os cidadãos franceses, muçulmanos e não-muçulmanos, ao secularismo laico e republicano. Só que, num Estado democrático, metas como essa não deveriam ser impostas de modo compulsório.
O problema da lei da laicidade, que bane, além do véu das muçulmanas, grandes crucifixos, o quipá (solidéu) dos judeus e o turbante dos sikhs, é que ela incorre numa violência maior do que o mal que se pretendia combater. Como bem observou Ferry, acuados, os muçulmanos podem escolher outros símbolos, como a barba, para exprimir sua identidade.
A escola pública deve, sem dúvida, ser laica, e a integração secular é um valor a perseguir. Só que essas metas não podem ser buscadas com o sacrifício da mais elementar das liberdades individuais, que é a de possuir uma individualidade e exprimi-la de forma pacífica.


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