São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

450 anos de ruínas

SÃO PAULO - Quem ainda agüenta tanto amor e baboseio por São Paulo? Quando os paulistanos voltaremos sem pudor ao normal? A atropelar pedestres na faixa de pedestres? Jogar lixo no chão, pichar paredes? Entupir rios de química e de esgotos de encanamentos ilegais?
Mas viva o centro! Olhem como o centro melhora! Olhem para o outro lado, para que devastem à vontade casas e vilas simpáticas de Pinheiros, Pompéia, Perdizes, Vila Romana e Vila Madalena, como se fez com Moema. Sim, precisamos de mais prédios de péssima arquitetura!
Quando não podemos destruir os bairros bons, tapamos a fachada das casas simpáticas com paredões de alvenaria e letreiros horrendos. Ou fazemos Minhocões! São Paulo não pode parar de ser feia!
Feia e burra! Qual o grande presente da elite nos 450 anos? Águas dançantes coloridas! Arlequinal!
Por que não se cria um dos melhores museus de arte moderna do mundo, juntando os acervos do MAC e do MAM num prédio decente e grande o bastante para exibir as obras?
Por que ninguém sugeriu implodir os pavorosos e inúteis prédios da Assembléia Legislativa e do Exército, que roubaram espaço do Ibirapuera, um dos poucos lugares agradáveis e democráticos da cidade?
Por que não se fazem praças na cidade? Medo de que miseráveis montem ali barraquinhos de plástico preto e estopa? Mas quase todos os crioulos foram expulsos para tão longe (esse foi o verdadeiro plano diretor de São Paulo)!
E o que faz o mercado financeiro paulistano por São Paulo? Muda a sede dos bancos para outras cidades, a fim de pagar menos imposto, o que também consegue na base da esmola da "responsabilidade social". Por que não banca um centro universitário para pensar o futuro urbanístico e econômico da cidade?
Museu, universidade, praça, parque, coragem de investir em bairros desertos, em arquitetura, em transporte coletivo, em convívio democrático? Nada disso de abandonar uma tradição de 450 anos de ruínas.


Texto Anterior: Editoriais: DEPOIS DO VÉU

Próximo Texto: Brasília - Gustavo Patú: O núcleo mole
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.