São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

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FERNANDA DA ESCÓSSIA

Patrulha de Carnaval

RIO DE JANEIRO - Primeiro foi o presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Abalou-se até o barracão da São Clemente, na avenida Brasil, para pedir à escola que jogasse no lixo a alegoria em que Tio Sam faz de privada uma das cúpulas do Congresso. Ele viu ofensa na brincadeira.
Depois, a mesma São Clemente trocou o nome de uma ala batizada como "Veadinhos de Pelotas", que irritara a cidade gaúcha. Na mudança, tripudiou: "Não Dou Pelotas para Veadinhos" é o novo nome.
Agora, o enredo da Grande Rio - "Vamos Vestir a Camisinha, Meu Amor"- atrai a ira da Arquidiocese do Rio. Num enredo sobre o uso do preservativo, a escola de Joãosinho Trinta quer levar para a Sapucaí um carro alegórico com esculturas exibindo as milenares acrobacias do Kama Sutra.
A arquidiocese cria caso todo ano. Em 89, censurou o Cristo mendigo no desfile da Beija-Flor.
Os queixosos alegam desrespeito moral e danos à imagem do país no exterior. Mas ninguém dá pitaco sobre as mulatas recebendo turistas no Galeão, num estímulo involuntário à imagem do Brasil como paraíso sexual. Mal sabem os incomodados que, para as escolas, quanto mais disse-que-disse, melhor: mais holofotes elas vão atrair. É como apelido: quando o apelidado reclama é que pega mesmo.
Com tanto melindre, o Carnaval do Rio fica mais amarrado. Não bastassem o ritmo taquicárdico dos sambas-enredo e o apartheid que afasta da Sapucaí as comunidades das escolas, ainda reforçaram a patrulha carnavalesca.
Só falta o advogado de Bush se queixar da São Clemente, que planeja mostrar o Tio Sam com os dedos sujos de tinta. Nessa cadência, o politicamente correto acaba virando enredo.


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