São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2008

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O atual cenário indica uma crise no setor energético?

NÃO

Há margem de manobra

MAURICIO TOLMASQUIM

É INEGÁVEL que o Brasil tem vivido um atraso no seu período chuvoso com impacto sobre o nível dos reservatórios do Sistema Interligado Nacional. Apesar disso, a situação atual é muito diferente daquela de 2001, quando houve restrição compulsória ao consumo de energia.
Assentadas nos alicerces do novo modelo, as margens de manobra criadas pelo lado da oferta permitem afirmar que não haverá racionamento no país.
Em 2001, a energia que sobrava no Sul não podia ser transferida para o Sudeste, por insuficiência de transmissão. Desde 2003, foram agregados à rede de alta tensão 14.700 km de novas linhas, o que representou, na prática, a duplicação da capacidade de intercâmbio energético entre essas regiões e um aumento de 2,5 vezes da capacidade de transferência de energia para o Nordeste.
Isso possibilita aproveitar melhor a diversidade entre as regiões e diminuir a vulnerabilidade do sistema em situações de escassez de chuvas.
Não é só pelo lado da transmissão que o sistema está mais bem preparado para enfrentar problemas decorrentes das dificuldades climáticas. Houve também aumento da capacidade de geração, sobretudo a partir de 2003. Os números: houve uma expansão de 16.400 MW na potência instalada, com aumento significativo da participação de termelétricas, de 11% para 20% da capacidade total. A importância desse crescimento está no fato de que as térmicas são acionadas sempre que é preciso poupar a água dos reservatórios, como agora.
Mas há uma preocupação no ar: há gás suficiente para as termelétricas?
A demanda potencial por gás é, de fato, superior à capacidade de oferta, fruto de um crescimento vertiginoso da demanda de gás, a taxas de 17% ao ano desde 2001. Por isso, este governo lançou um programa de expansão da oferta de gás natural que começará a dar frutos a partir deste ano.
Já em fevereiro, será inaugurado o gasoduto Cabiúnas-Vitória, que, ao transportar até 5,5 milhões de m2/dia, permitirá aumentar a capacidade de geração de eletricidade em 1.000 MW. E, graças aos investimentos nas bacias do Espírito Santo, de Campos e de Santos, a oferta de gás no Sudeste passará de 16 milhões para 40 milhões de m2/dia ainda em 2008.
Além disso, estão sendo construídas duas estações de processamento de gás natural liquefeito: uma em Pecém, no Ceará, e outra na baía de Guanabara, no Rio. A primeira delas será inaugurada em julho, e a segunda, no fim deste ano. Até 2010, só na região Sudeste, a oferta de gás nacional será multiplicada por quatro! Há outras diferenças entre a situação de hoje e a do início da década.
Uma das causas apontadas para o racionamento de 2001 foi a falta de coordenação entre os principais órgãos do setor. Com o novo modelo do setor elétrico, implantado em 2004, criou-se o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que superou essa deficiência. Sua função é acompanhar e avaliar permanentemente a continuidade e a segurança do suprimento de energia em todo o território nacional. Esse monitoramento proativo permite ajustar, revisar e adotar as ações mais adequadas de operação do sistema elétrico.
Por exemplo, com o prolongamento do período seco, o CMSE determinou que as termelétricas movidas a óleo combustível e diesel entrassem em funcionamento, aumentando a segurança do abastecimento.
O comitê deliberou também sobre a possibilidade de utilização de recursos gasíferos provenientes do remanejamento do consumo interno das refinarias da Petrobras, o que disponibilizará maior volume de gás para a geração termelétrica.
Em caso de necessidade, o CMSE pode redirecionar o gás hoje consumido em equipamentos bicombustíveis, que, mesmo sem parar de produzir, liberam maior volume do produto para a geração termelétrica, garantindo o abastecimento de energia. As medidas tomadas a partir de 2003 nos permitem dispor de uma margem de segurança muito maior.
Não há, portanto, crise no setor energético, na medida em que a hidrologia desfavorável está dentro dos cenários possíveis. O que se tem feito é utilizar os recursos disponíveis para gerir o sistema e garantir o abastecimento de energia elétrica no país.


MAURICIO TOLMASQUIM, 49, doutor em socioeconomia do desenvolvimento, é presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (2003-2005 ) e coordenou o grupo de trabalho que elaborou o novo modelo do setor elétrico.

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