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O atual cenário indica uma crise no setor energético?
NÃO
Há margem de manobra
MAURICIO TOLMASQUIM
É INEGÁVEL que o Brasil tem vivido um atraso no seu período
chuvoso com impacto sobre o
nível dos reservatórios do Sistema Interligado Nacional. Apesar disso, a situação atual é muito diferente daquela de 2001, quando houve restrição
compulsória ao consumo de energia.
Assentadas nos alicerces do novo modelo, as margens de manobra criadas
pelo lado da oferta permitem afirmar
que não haverá racionamento no país.
Em 2001, a energia que sobrava no
Sul não podia ser transferida para o
Sudeste, por insuficiência de transmissão. Desde 2003, foram agregados
à rede de alta tensão 14.700 km de novas linhas, o que representou, na prática, a duplicação da capacidade de intercâmbio energético entre essas regiões e um aumento de 2,5 vezes da
capacidade de transferência de energia para o Nordeste.
Isso possibilita aproveitar melhor a
diversidade entre as regiões e diminuir a vulnerabilidade do sistema em
situações de escassez de chuvas.
Não é só pelo lado da transmissão
que o sistema está mais bem preparado para enfrentar problemas decorrentes das dificuldades climáticas.
Houve também aumento da capacidade de geração, sobretudo a partir de
2003. Os números: houve uma expansão de 16.400 MW na potência
instalada, com aumento significativo
da participação de termelétricas, de
11% para 20% da capacidade total. A
importância desse crescimento está
no fato de que as térmicas são acionadas sempre que é preciso poupar a
água dos reservatórios, como agora.
Mas há uma preocupação no ar: há
gás suficiente para as termelétricas?
A demanda potencial por gás é, de
fato, superior à capacidade de oferta,
fruto de um crescimento vertiginoso
da demanda de gás, a taxas de 17% ao
ano desde 2001. Por isso, este governo
lançou um programa de expansão da
oferta de gás natural que começará a
dar frutos a partir deste ano.
Já em fevereiro, será inaugurado o
gasoduto Cabiúnas-Vitória, que, ao
transportar até 5,5 milhões de m2/dia,
permitirá aumentar a capacidade de
geração de eletricidade em 1.000
MW. E, graças aos investimentos nas
bacias do Espírito Santo, de Campos
e de Santos, a oferta de gás no Sudeste
passará de 16 milhões para 40 milhões de m2/dia ainda em 2008.
Além disso, estão sendo construídas duas estações de processamento
de gás natural liquefeito: uma em Pecém, no Ceará, e outra na baía de
Guanabara, no Rio. A primeira delas
será inaugurada em julho, e a segunda, no fim deste ano. Até 2010, só na
região Sudeste, a oferta de gás nacional será multiplicada por quatro!
Há outras diferenças entre a situação de hoje e a do início da década.
Uma das causas apontadas para o
racionamento de 2001 foi a falta de
coordenação entre os principais órgãos do setor. Com o novo modelo do
setor elétrico, implantado em 2004,
criou-se o Comitê de Monitoramento
do Setor Elétrico (CMSE), que superou essa deficiência. Sua função é
acompanhar e avaliar permanentemente a continuidade e a segurança
do suprimento de energia em todo o
território nacional. Esse monitoramento proativo permite ajustar, revisar e adotar as ações mais adequadas
de operação do sistema elétrico.
Por exemplo, com o prolongamento do período seco, o CMSE determinou que as termelétricas movidas a
óleo combustível e diesel entrassem
em funcionamento, aumentando a
segurança do abastecimento.
O comitê deliberou também sobre
a possibilidade de utilização de recursos gasíferos provenientes do remanejamento do consumo interno das
refinarias da Petrobras, o que disponibilizará maior volume de gás para a
geração termelétrica.
Em caso de necessidade, o CMSE
pode redirecionar o gás hoje consumido em equipamentos bicombustíveis, que, mesmo sem parar de produzir, liberam maior volume do produto para a geração termelétrica, garantindo o abastecimento de energia.
As medidas tomadas a partir de
2003 nos permitem dispor de uma
margem de segurança muito maior.
Não há, portanto, crise no setor
energético, na medida em que a hidrologia desfavorável está dentro dos
cenários possíveis. O que se tem feito
é utilizar os recursos disponíveis para
gerir o sistema e garantir o abastecimento de energia elétrica no país.
MAURICIO TOLMASQUIM, 49, doutor em socioeconomia
do desenvolvimento, é presidente da EPE (Empresa de
Pesquisa Energética). Foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (2003-2005 ) e coordenou o grupo de trabalho que elaborou o novo modelo do setor elétrico.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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