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ELIANE CANTANHÊDE
Letra morta, olho vivo
BRASÍLIA - Depois da reunião ministerial da quinta-feira, Lula abriu
o seu melhor sorriso e convidou o
ministro Reinhold Stephanes
(Agricultura) para sentar à sua mesa no almoço. Daí? Daí nada.
Stephanes tinha ido parar nas
manchetes dos jornais ao engrossar
a lista dos críticos ao Programa Nacional de Direitos Humanos, que
chamou ostensivamente de "preconceituoso" contra o agronegócio.
Ato contínuo, sua assessoria preparou um estudo comparativo, pelo
qual a Agricultura avaliou um texto, e o Planalto editou outro.
A queixa do ministro foi pública,
a acusação da assessoria é pesada,
mas... Lula não tocou no assunto no
almoço nem no cafezinho. Ele cedeu aos militares, cortando o termo
"repressão política", e deixou o resto para lá, à espera de que tanto as
críticas do agronegócio como as da
Igreja Católica (aborto e união civil
gay) e as do setor de comunicação
(ameaça à liberdade de expressão) caiam de maduras.
É uma forma de não decidir, nem
se comprometer ou se atritar com
lado nenhum, em ano de sucessão e
diante do Fórum Social. Um sorriso
daqui, uma piada dali, e estamos conversados. Até quando?
Tudo indica que o programa virou letra morta, mas há controvérsias. Pode ter virado neste governo
e na atual legislatura, porque o Congresso reabre na próxima semana e
vai logo se desmobilizar rumo às
campanhas nos Estados. Mas ninguém sabe o que pode acontecer depois, com Dilma ou Serra.
O fato, nu e cru, como já diziam os
militares, é que a letra está lá, foi assinada pelo presidente da República e pode ser ressuscitada a qualquer momento de alguma gaveta, em algum plenário.
Foi por isso que Jobim preferiu,
ele próprio, matar e enterrar a letra
que dizia respeito à sua área. E foi
para casa dormir sossegado, ao contrário de Stephanes, da CNI, da
igreja e das entidades de comunicação. Mais cedo ou mais tarde, a letra
morta pode ficar vivíssima.
elianec@uol.com.br
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