São Paulo, terça-feira, 26 de janeiro de 2010

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ELIANE CANTANHÊDE

Letra morta, olho vivo

BRASÍLIA - Depois da reunião ministerial da quinta-feira, Lula abriu o seu melhor sorriso e convidou o ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) para sentar à sua mesa no almoço. Daí? Daí nada.
Stephanes tinha ido parar nas manchetes dos jornais ao engrossar a lista dos críticos ao Programa Nacional de Direitos Humanos, que chamou ostensivamente de "preconceituoso" contra o agronegócio.
Ato contínuo, sua assessoria preparou um estudo comparativo, pelo qual a Agricultura avaliou um texto, e o Planalto editou outro.
A queixa do ministro foi pública, a acusação da assessoria é pesada, mas... Lula não tocou no assunto no almoço nem no cafezinho. Ele cedeu aos militares, cortando o termo "repressão política", e deixou o resto para lá, à espera de que tanto as críticas do agronegócio como as da Igreja Católica (aborto e união civil gay) e as do setor de comunicação (ameaça à liberdade de expressão) caiam de maduras.
É uma forma de não decidir, nem se comprometer ou se atritar com lado nenhum, em ano de sucessão e diante do Fórum Social. Um sorriso daqui, uma piada dali, e estamos conversados. Até quando?
Tudo indica que o programa virou letra morta, mas há controvérsias. Pode ter virado neste governo e na atual legislatura, porque o Congresso reabre na próxima semana e vai logo se desmobilizar rumo às campanhas nos Estados. Mas ninguém sabe o que pode acontecer depois, com Dilma ou Serra. O fato, nu e cru, como já diziam os militares, é que a letra está lá, foi assinada pelo presidente da República e pode ser ressuscitada a qualquer momento de alguma gaveta, em algum plenário.
Foi por isso que Jobim preferiu, ele próprio, matar e enterrar a letra que dizia respeito à sua área. E foi para casa dormir sossegado, ao contrário de Stephanes, da CNI, da igreja e das entidades de comunicação. Mais cedo ou mais tarde, a letra morta pode ficar vivíssima.

elianec@uol.com.br


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