São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

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Premiar o trabalho

Expansão de gasto social foi um ato democrático, mas criou distorções fiscais e de paradigmas que devem ser corrigidas

O RETORNO à democracia, marcado pela promulgação da Carta de 1988, inaugurou um novo capítulo na história das políticas públicas brasileiras. Desde então proliferam, nas três esferas de governo, programas destinados a elevar o poder de compra dos mais pobres mediante intervenção direta do Estado.
No âmbito federal, integram o núcleo desse acervo a Previdência Rural, a Lei Orgânica da Assistência Social, a vinculação do piso das aposentadorias ao salário mínimo -e a política de aumento acelerado de seu valor-, bem como as ações de transferência de renda hoje reunidas no Bolsa Família. O espírito do pacto democrático, num país cindido por drástica desigualdade, explica e justifica a opção tomada.
A expansão desordenada desses programas sociais e a necessidade de ampliar a margem de políticas que promovam o emprego, no entanto, exigem revisão de procedimentos. Os princípios de justiça social, recompensa pelo esforço individual e equilíbrio das finanças públicas precisam ser harmonizados.
Como mostrou ontem reportagem da Folha, a aposentadoria especial do setor rural contém mecanismos de desestímulo à atividade profissional. Um lavrador com um dia de trabalho registrado na carteira tem de esperar até os 65 anos para aposentar-se. Se não tiver registro nenhum, ganha direito a um salário mínimo por mês ao completar 60. Muitos trabalhadores, obviamente, fogem do emprego formal para não perder o privilégio.
O governo pretende corrigir essa irracionalidade com um projeto de lei que garante os benefícios da aposentadoria rural mesmo quando o trabalhador tiver até 120 dias de trabalho por ano assinalados na carteira profissional. Resposta tímida, pois combate só os efeitos derivados da distorção maior que é tratar como assunto previdenciário o que é política assistencial.
No setor rural, para cada R$ 10 despendidos pelo INSS, o governo recebe R$ 1,20 em contribuições de futuros segurados. No segmento urbano, a receita para os mesmos R$ 10 de gasto é de R$ 9. À diferença do primeiro, este é um programa previdenciário, em que o trabalhador remunera o governo por décadas a fim de receber uma quantia mensal, após aposentar-se, proporcional à sua contribuição.
Para estimular o trabalho formal, o sistema não pode continuar operando no molde atual. O trabalhador rural deveria buscar o emprego com registro na expectativa de ampliar direitos e rendimentos não apenas no presente mas também após a aposentadoria. Pagar os mesmos R$ 350 a quem contribuiu e a quem nunca o fez é oferecer um bônus à informalidade e à inatividade.
Políticas assistenciais, como as aposentadorias rurais, deveriam ser desvinculadas da Previdência e do salário mínimo e incorporadas ao Bolsa Família. A fusão permitiria aumentar o valor do auxílio aos mais pobres, bem como o total de beneficiários -com uma aposentadoria rural é possível custear cinco estipêndios do programa federal de renda mínima. O sistema ganharia em justiça e sustentabilidade.


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