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CARLOS HEITOR CONY
Nó de cachorro
RIO DE JANEIRO - A cada desfile
no sambódromo, lembro sempre
um conto de Marques Rebelo, que
anda um pouco esquecido, mas que
pegou com sucesso o veio carioca
do romance nacional, iniciado com
Manuel Antônio de Almeida ("Memórias de um Sargento de Milícias"), Machado de Assis e Lima
Barreto.
O conto traz a história do prefeito que decide incrementar o turismo em sua cidade do interior. Gasta todo o orçamento municipal na
construção de um luxuoso palanque, cheio de camarotes, aluga uma
frota de ônibus e traz uma porção
de turistas na maior boca livre da
região.
O palanque ficou cheio, bebidas e
salgadinhos à farta. Que foi um sucesso, foi. Toda a cidade -e todo o
povo das vilas vizinhas- desfilaram durante três dias diante do palanque para apreciar os turistas bebendo e comendo à custa das burras municipais. Gente que nunca tinha visto um turista, nem sabia ao
certo o que era e o que fazia um turista, deslumbraram-se com o surto de civilização e progresso que o
prefeito trazia à cidade.
O Rio não chega a ser uma cidade
do interior, mas às vezes parece.
Sua máxima festa está começando
a lembrar a concentração de turistas nos diversos palanques armados pelas autoridades e exaltados
pela mídia. Pouco a pouco, o pessoal que desfila na passarela ocupa
um lugar privilegiado para assistir a
turma que ocupa os camarotes do
sambódromo, onde correu até mesmo uma beberagem que o presidente Lula tomou, feita de uma erva conhecida como "nó de cachorro", e que tem a desvantagem de
não ser alcoólica.
Há razão para tudo. Os desfiles
estão cada vez mais complicados, é
difícil entender aquilo tudo, alegorias, enredos, propostas, homenagens a isso ou aquilo. Nos camarotes, a coisa corre mais fácil e, até
certo ponto, mais divertida.
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