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JOSÉ SARNEY
O drama de Brasília
FUI A BRASÍLIA pela primeira
vez em 1958, há 52 anos, a
convite de Israel Pinheiro,
herdeiro de uma tradição que vinha de seu pai, o notável João Pinheiro. Israel, acima de qualquer
suspeita, apoiado pela oposição, fora escolhido para presidente da
Companhia Construtora da Nova
Capital, a célebre Novacap. Era
meu colega no Palácio Tiradentes,
no Rio de Janeiro, comandando a
temida Comissão de Finanças.
Pessoalmente, mostrou-me as
obras. Vi, fascinado, uma Babel:
homens, caminhões e máquinas
cruzando só estradas de poeira, um
burburinho de máquinas, gentes,
cimento, pedras em contraste com
o silêncio das árvores sofridas e
contorcidas de um cerrado ainda
não derrubado. Evoquei a página
de Afonso Arinos sobre o "buriti
perdido, [...] testemunha sobrevivente do drama da conquista, [...]
venerável epônimo dos campos".
O pequi galhudo e verde, não
desconfiando que em breve a motosserra cortar-lhe-ia o pescoço.
Barracos, jardineiras nordestinas e
no ar um cheiro de suor e poeira
cobrindo a aventura da cidade que
se levantava. Israel descrevia tudo
com olhos de quem já estava vendo
o que apenas nascia nas fundações.
Os prédios cresciam nas superquadras. Eu lera a poética memória
de Lúcio Costa que acompanhava o
projeto. A descrição "das luzes baças" que iluminariam as áreas de
residência, igualando os homens e
humanizando o conviver. Três homens a sonhar. Juscelino, objetivo,
olhando os dividendos políticos,
Lúcio, o poeta-urbanista, imaginando que a cidade criaria um novo
cidadão, e Oscar Niemeyer, o artista-escultor das linhas belas e curvas dos monumentos.
Os construtores eram sempre os
mesmos: a peãozada, mão de obra
da miséria, vindos das áreas rurais
pobres do Nordeste e de Minas.
Não dava tempo para pensar na
concepção institucional.
Brasília, nesses 50 anos, viu as
árvores e os homens chegarem de
outras plagas. A espatódea africana
de flores vermelhas e belas a expulsar a agaroba, e depois o exotismo
dos canteiros de rosas, primaveras,
gerânios a competir com as flores
do cerrado.
Brasília foi se formando com
duas faces. Uma, burocrática, alienada da cidade, hóspede apenas.
Outra crescendo no clima de aventura, a construir seus valores de
fronteira, sem amarras nem limites, que seria a verdadeira, com
suas qualidades e defeitos, cultura
e modo de viver. Com os dramáticos e inacreditáveis acontecimentos de hoje, vive as contorções de
suas fraturas. Não seria o momento de pensar em novos rumos para
a cidade, grande metrópole, realidade dolorosa, longe do sonho e da
utopia primeira?
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras
nesta coluna.
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