São Paulo, Sexta-feira, 26 de Fevereiro de 1999
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Crescer ou desaparecer


O acordo emergencial é um elemento de uma equação mais complexa, cujo resultado ainda é impossível apontar


LUIZ MARINHO

O acordo do setor automotivo que está sendo fechado hoje entre trabalhadores, governo e empresários tem um profundo significado para nosso país. Apesar de resistências significativas e do pessimismo de muitos, depois de uma série interminável de notícias apontando para a queda da produção e mais desemprego, aparece no horizonte uma esperança de inverter o quadro recessivo da economia nacional.
A assinatura do acordo tem um profundo significado para nós, do ABC. Não só porque a iniciativa partiu de nosso sindicato, mas porque significa a consolidação -ainda que temporária- de uma vitória da resistência dos nossos trabalhadores, em particular dos companheiros da Ford, contra o desemprego no setor automotivo.
Nosso dilema no ABC e no país está em adotar medidas como essa, capazes de fazer nossa economia crescer, ou continuar testemunhando o agravamento dos problemas de nossa indústria e de nossos trabalhadores.
A redução de IPI e ICMS sobre os automóveis, das margens de lucro e dos preços das montadoras, com manutenção do emprego e da arrecadação fiscal -objetivos perseguidos no chamado "acordo emergencial"-, devem desafogar de imediato o setor automotivo. Também devem permitir a desova de 120 mil automóveis em estoque e garantir o emprego dos 500 mil trabalhadores ligados ao setor automotivo em todo o Brasil, inclusive os da Ford.
E não é um acordo de renúncia fiscal. A experiência dos acordos da câmara setorial, em 1992 e 1993, comprova isso. Com o fim dos acordos setoriais, os aumentos das alíquotas reduziram a massa de tributos. Após o pacote fiscal de novembro de 1997, com a média das alíquotas subindo de 14,4% para 18,6%, a arrecadação recuou de US$ 316 milhões para US$ 280 milhões. Desde então, ela continua caindo.
Neste ano, se nada fosse feito, a expectativa de produção ficaria em 1 milhão de veículos, metade do volume de 97 e cerca de 66% do de 98. Isso significa voltar aos patamares dos anos 80 (a "década perdida"), com arrecadação em níveis muito inferiores aos atuais.
É essa curva decrescente de produção, arrecadação e emprego que o acordo procura estancar. Se ele é suficiente para desafogar o estoque e evitar queda de arrecadação e demissões, não será o bastante para manter os trabalhadores em seus postos após 90 dias de vigência ou após 30 de junho, quando se esgotarão o prazo e a garantia de emprego na negociação com a Ford.
Estamos conscientes dessas limitações. Por isso, ao lado do plano emergencial, apresentamos, como projeto de médio e longo prazo, um programa para a renovação da frota nacional.
No Brasil, hoje, há quase 18 milhões de veículos circulando; 8,5 milhões têm idade superior a 10 anos e 5,5 milhões têm mais de 15 anos. Atacar esse problema significa criar um fator de estímulo ao mercado automotivo, com reflexos sobre toda a economia nacional. Considerando essa realidade, nosso sindicato formulou o programa e o submeteu a empresários e ao governo.
É essa a contribuição que oferecemos ao país neste momento de dificuldades. Nosso sindicato nunca se furtou a encarar de frente temas polêmicos. Nós os enfrentamos admitindo sempre a possibilidade do novo -desde que respeitado o princípio da defesa dos interesses históricos de nossa classe.
Mas o acordo emergencial e a retomada das negociações para garantir os empregos na Ford (etapa a ser concluída na semana que vem) são apenas dois elementos de uma equação mais complexa, cujo resultado ainda é impossível apontar. Seu sucesso dependerá de como o país vai tratar outros fatores de igual importância, como o projeto de renovação da frota, e da adoção de outras medidas -em especial a redução dos juros- capazes de estimular a produção em geral e em segmentos estratégicos da economia, como a construção civil e a agricultura.


Luiz Marinho, 39, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (Grande São Paulo).



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