São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Juros e os três Fernandos
SAULO RAMOS
Lembro que estudei tudo sobre juros aqui e nos outros países. Passei até por dom Sebastião, o rei menino, que, em 1500, baixou uma ordem régia proibindo cobrar dinheiro sobre o dinheiro. Creio ter sido por isso que os mouros o mataram am Alcácer Quibir. A imprensa atirou de todos os lados. Confundiu tudo e baralhou mais o debate. Diante de palavras como anatocismo, aumentaram as vendas de dicionários. Mas um aspecto curioso da discussão sobre o entrar ou não em vigor deu-se na semana seguinte, num restaurante de Brasília, onde fui almoçar e encontrei o então senador Fernando Henrique Cardoso. Ele me questionou: "Você pensa que vai impedir a vigência da Constituição com um simples parecer jurídico?" "Penso." E o Supremo Tribunal pensou a mesma coisa. Quando atacaram meu simples parecer jurídico com uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade), acabou a festa. Além de dizer que não entrava em vigor, o STF ainda avisou que a regulamentação legal teria de ser feita através de uma única lei complementar. Uma só. Assim, estava na Constituição, escrito pelos dois Fernandos, o Gasparian e o Henrique Cardoso. Com suas ironias caprichosas, o destino fez um terceiro Fernando, o Collor, ser defenestrado do poder e o professor Fernando Henrique eleger-se presidente da República na vaga do xará. E, na sua política econômica, foi quem mais usou os juros como ferramenta monetarista. Criou o Copom, com viés para cima, viés para baixo (que palavra horrível esse tal de viés! É por demais oblíquo!). Já pensaram em convocar uma Constituinte para baixar ou levantar meio ponto dos juros, ou para declarar que o mês é de viés para cima ou para baixo? Quando estudei o assunto, verifiquei ser uma grande bobagem, além de fantástico erro técnico, a Constituição fixar juros no sistema capitalista, ou tabelar o preço do chuchu, ou dizer que uma dúzia de abobrinhas tem que ter exatamente 12 pequenas abóboras -detalhes e miudezas que nossos constituintes adoravam. Mas Fernando Henrique arrependeu-se e pediu ao senador José Serra para consertar o erro, que era de todos eles (inclusive do Lula, que votou a Constituição), por meio de emenda que manda para o direito infraconstitucional, mantendo o nível complementar das respectivas leis, todo o sistema financeiro. É a solução. Em direito penal isto é chamado de arrependimento eficaz. Mas parece que a lição não foi bem digerida. O deputado Virgílio Guimarães, com o apoio, segundo intrigam, do governo Lula, apresentou emenda alterando a redação do art. 192 para o plural. Em vez de lei, pretende leis. E mantém tudo como está, isto é, com a taxa de juros no texto constitucional em 12 %, exatamente a mesma dúzia de abobrinhas. O erro do então parlamentar Fernando Henrique era no singular. Agora o governo quer colocá-lo no plural. Por que o viés imitativo? Se for para imitar os enganos políticos do passado, seria melhor o PT começar pelo superveniente arrependimento em vez deste do viés de repeti-los no plural. Lamentável é que o deputado Virgílio nem sequer se chama Fernando para dizer que está imitando o xará. José Saulo Pereira Ramos, 73, é advogado. Foi consultor-geral da República e ministro da Justiça (governo Sarney). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Jorge da Cunha Lima: O silêncio da cultura Índice |
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