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VINICIUS MOTA
A identidade
que importa
NÃO DEIXA de ser irônico
que a Igreja Católica, pivô
do mais extraordinário movimento de expansão religiosa da
história, agora se volte para a Europa. Do pó ao pó, disparariam aqueles incréus que perdem a vida eterna, mas não a piada. Não é o caso,
evidentemente.
Os cardeais que elegeram Joseph
Ratzinger não estão surpresos com
a opção inicial do novo papado. Antes de assumir o trono de Pedro, o
alemão jamais escondeu seus temores de que a fé católica e o cristianismo estivessem ameaçados no
seu berço.
A homenagem a são Bento, reformador da ascese monástica católica e padroeiro da Europa, foi
um tiro na mosca. A visita à Turquia, no ano passado, prestou as
homenagens devidas à agenda inter-religiosa de João Paulo 2º e da
própria igreja. Mas Ratzinger já
voltou de Istambul.
Nas comemorações dos 50 anos
do Tratado de Roma, início da
União Européia, o bispo de Roma
soltou o verbo. Reclamou da falta
de um tributo às raízes cristãs nas
declarações oficiais relativas ao
aniversário do bloco, bem como no
tratado constitucional da UE.
Fez mais. Associou a baixa fertilidade das mulheres no continente
-não se referia, obviamente, às
imigrantes- ao risco de diluição da
identidade européia. Perfilou-se
nesse item ao lado de figuras sinistras do nacionalismo xenófobo, como Jean-Marie le Pen.
Coube, nova ironia, à democrata-cristã Angela Merkel, presidente do Conselho Europeu, lembrar o
papa de que na Europa "há uma
clara separação entre o círculo político e o religioso". Merkel, atenta
ao passado da Alemanha -onde, da
última vez em que o Estado decidiu
imiscuir-se em religião, exterminou 6 milhões de judeus- referiu-se às raízes "judaico-cristãs" do
continente.
O "neomedievalismo", cuja
emergência no debate intelectual
foi encorajada pela ascensão de
Ratzinger, encontra seus limites. A
democracia moderna expulsou a
religião da esfera pública e assegurou o exercício livre de todos os
credos em caráter privado. A igreja,
perdedora no processo, jamais encarou a derrota como definitiva.
Mas a revolução civilizatória do
Ocidente iniciada no século 18 dá
mostras de solidez sempre que é
confrontada. Se agentes religiosos
conseguem solapar as bases de políticas públicas como o controle da
natalidade, não têm nenhum acesso aos pilares do edifício.
Na Europa cristã, avançam a cada dia instituições baseadas na tolerância, no bem-estar e na razão,
como a união homossexual. Basicamente porque as empresas européias precisam competir, levas de
imigrantes muçulmanos são recrutadas a cada dia.
Esses estrangeiros vão reforçar a
identidade européia que importa, a
democrática.
VINICIUS MOTA é editor de Opinião.
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