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RUY CASTRO
Etiqueta do calçadão
RIO DE JANEIRO - Você está caminhando às 8 da manhã pelo calçadão de Ipanema ou do Leblon e, à
distância, já dá para ver o cinqüentão sarado, forte à beça e queimado
de sol, que vem à toda em sentido
contrário. Ao passar correndo ou
em passo acelerado, ele provoca
um tal deslocamento de ar que, se
você não estiver bem plantado sobre as pedras portuguesas, arrisca-se a perder o equilíbrio.
E, como ele, há muitos. Mas, pode apostar: 50% de chances de que
seja cardíaco. Tanto ele como eu estamos ali, entre outros motivos, por
ordens médicas.
A orla do Rio é estrelada por alguns dos cardiopatas mais saudáveis do Brasil: homens que, depois
de algum entupimento maroto,
passaram por um procedimento cirúrgico e foram intimados a se mexer para ajudar o relógio a funcionar. Aconteceu comigo e com vários amigos com quem cruzo todo
dia à beira-mar -escritores, jornalistas, músicos, empresários. Estamos vendendo saúde.
Mas, pela etiqueta do calçadão,
ninguém pára para falar com ninguém. Nem para checar o número
de "stents" que cada um recebeu. A
norma é sorrir por trás dos óculos
escuros e ir em frente, por aquele
escândalo de cenário. Na verdade, o
que nos salva a vida ali é o fato de
nos desligarmos, nem que por uma
hora, das chatices pessoais ou profissionais que o dia nos reserva.
Mas nem todos são assim no calçadão. Há os que, ao sair para caminhar, não deixam de levar o celular.
É fácil percebê-los a olho nu, porque parecem falar sozinhos. Na
verdade, estão discutindo negócios
com algum interlocutor invisível.
Não conseguem ficar "unplugged".
O veneno lhes entra por um fone de
ouvido, torna-os cegos para a vida e
reduz uma das paisagens mais bonitas do mundo à mediocridade de
um escritório.
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