São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2007

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RUY CASTRO

Etiqueta do calçadão

RIO DE JANEIRO - Você está caminhando às 8 da manhã pelo calçadão de Ipanema ou do Leblon e, à distância, já dá para ver o cinqüentão sarado, forte à beça e queimado de sol, que vem à toda em sentido contrário. Ao passar correndo ou em passo acelerado, ele provoca um tal deslocamento de ar que, se você não estiver bem plantado sobre as pedras portuguesas, arrisca-se a perder o equilíbrio.
E, como ele, há muitos. Mas, pode apostar: 50% de chances de que seja cardíaco. Tanto ele como eu estamos ali, entre outros motivos, por ordens médicas.
A orla do Rio é estrelada por alguns dos cardiopatas mais saudáveis do Brasil: homens que, depois de algum entupimento maroto, passaram por um procedimento cirúrgico e foram intimados a se mexer para ajudar o relógio a funcionar. Aconteceu comigo e com vários amigos com quem cruzo todo dia à beira-mar -escritores, jornalistas, músicos, empresários. Estamos vendendo saúde.
Mas, pela etiqueta do calçadão, ninguém pára para falar com ninguém. Nem para checar o número de "stents" que cada um recebeu. A norma é sorrir por trás dos óculos escuros e ir em frente, por aquele escândalo de cenário. Na verdade, o que nos salva a vida ali é o fato de nos desligarmos, nem que por uma hora, das chatices pessoais ou profissionais que o dia nos reserva.
Mas nem todos são assim no calçadão. Há os que, ao sair para caminhar, não deixam de levar o celular. É fácil percebê-los a olho nu, porque parecem falar sozinhos. Na verdade, estão discutindo negócios com algum interlocutor invisível. Não conseguem ficar "unplugged". O veneno lhes entra por um fone de ouvido, torna-os cegos para a vida e reduz uma das paisagens mais bonitas do mundo à mediocridade de um escritório.


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