São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2007

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Por que avaliar o curso

DR. ROSINHA


Se o ensino é ruim, cabe principalmente ao Estado melhorá-lo e fechar os cursos que não prestam, e não punir o recém-formado


MUITOS profissionais e alguns membros de conselhos profissionais têm defendido que os estudantes de determinados cursos sejam avaliados pelos seus respectivos conselhos, nos moldes do que faz a OAB.
Há cerca de um mês, esta Folha publicou um artigo assinado por José Antonio Franchini Ramires (20/2), que defende a avaliação dos médicos recém-formados. O autor usa, como um de seus argumentos pró-exame, o "credenciamento indiscriminado e político da proliferação de escolas médicas no país, acarretando sérias deformações desses profissionais".
Apesar de o número de autorizações para a abertura de novas escolas ter diminuído nos últimos quatro anos, de fato há uma proliferação de cursos de medicina, sem nenhum critério de qualidade. O único imperativo é o mercado, que leva diversas instituições a competirem entre si para ver quem oferece mais cursos.
O Estado falha ao conceder a abertura de novos cursos. E a sociedade organizada, principalmente as entidades médicas, não se opõem com o afinco necessário. Não se opõem porque sabem que, nos rincões do país, mesmo que as prefeituras paguem um salário digno, faltam médicos.
Não se opõem porque sabem que, mesmo nos grandes centros, os pacientes do SUS, quando necessitam de especialistas, não os têm. E, quando conseguem o atendimento, o recebem meses depois.
Ramires cita como exemplo a ser seguido o exame feito pela OAB, que há muitos anos submete os recém-formados a um teste antes que possam atuar como advogado.
Se em outras categorias existem os que defendem o exame, há, entre os advogados, os que questionam sua validade. Em geral, são testes feitos não para medir conhecimento, mas para dizer ao recém-formado que ele não sabe nada. Sim, há testes para dizer que o candidato é um ignorante, e há os que são para medir conhecimento. Os da OAB estão na primeira opção. Para confirmar, basta verificar o baixo percentual de aprovação, que em alguns Estados não chega a 10%.
É certo que a qualidade do ensino, em todas as áreas vem caindo, e muito, nos últimos anos. Mas a mera aplicação de testes não resolve o problema. Essa prática faz do elo mais frágil da cadeia (o estudante) a vítima.
O estudante não conhece a qualidade do ensino que lhe é ofertado pelas universidades. Seu desejo é passar no vestibular e se formar. Se o ensino é ruim, cabe principalmente ao Estado melhorá-lo, fiscalizar os cursos ofertados e fechar os que não prestam. Não cabe punir o recém-formado.
A maioria dos estudantes, para passar no vestibular, faz cursos preparatórios. A maioria dos que hoje fazem o curso de direito, no último ano de universidade, faz também "cursinho" para exame da OAB. Futuramente, os estudantes de medicina, entre outros cursos, farão o mesmo para o teste de seu respectivo conselho.
A quem interessa esse círculo "cursinho-faculdade-cursinho-conselho profissional"? Será que não existe dono de faculdade de direito que ensina mal para depois cobrar do aluno no cursinho do qual ele também é sócio?
Será que alguns donos dos cursinhos pré-exame da OAB não são também dirigentes da mesma ordem, a endurecer no teste para ter mais e mais alunos? Será que hoje a ordem não faz e, no futuro, os conselhos das demais profissões não farão dos exames uma fonte de arrecadação financeira?
O estudante também pode optar por não estudar tanto no curso normal e se dedicar ao cursinho para passar no exame. Que profissional será?
Nessa lógica de (de)formação, na qual a educação é mercadoria, a chance de o profissional ser incompetente é grande. A melhoria dos profissionais passa pela avaliação dos cursos, e não do recém-formado. Até porque um só teste não avalia ninguém.

FLORISVALDO FIER , o Dr. Rosinha, 56, médico, é deputado federal (PT-PR).


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