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TENDÊNCIAS/DEBATES
As terras indígenas são uma ameaça à soberania nacional?
SIM
O "jardim antropológico" é uma insensatez
HELIO JAGUARIBE
TODOS OS países americanos se
confrontaram com a questão indígena. É indiscutível que em
todos eles a relação entre europeus
colonizadores e a população nativa foi
originariamente conflituosa. Esse
conflito conduziu ao extermínio das
populações costeiras (Brasil), levando os nativos a se refugiarem no interior remoto de cada um desses países.
É a partir sobretudo do século 19
que se diferenciam a conduta dos europeus e a de seus descendentes nas
Américas. Nos EUA, a opção da população branca foi o extermínio dos nativos: "a good indian is a dead indian".
O Brasil não teve política indigenista até o início do século 20. O índio foi
romantizado por José de Alencar e
outros. Mas a conduta real, por parte
dos que se adentraram pelo Oeste, foi
de espoliação das terras indígenas,
com violenta expulsão dos nativos.
A política indigenista no Brasil não
foi, originariamente, formulada pelo
governo federal, e sim por esse grande
pioneiro que foi o general Rondon.
Encarregada da extensão das linhas
telegráficas até Cuiabá, a Missão Rondon, como foi designada, se defrontou
com as populações indígenas do interior do país. A política adotada por
Rondon foi a de total respeito aos índios, reconhecidos como legítimos
proprietários das terras.
Meu saudoso pai, general Francisco Jaguaribe de Mattos, então jovem
capitão, foi o geógrafo e cartógrafo da
missão. Dele tenho narrativas diretas
de como se procedia então. Seus
membros, nos freqüentes encontros
com os índios, os abordavam pacificamente, incorporando os que desejassem. O lema de Rondon era: "Morrer
se necessário, matar, nunca".
A política indigenista de Rondon
partia do suposto de que o índio era o
brasileiro nativo, que devia ser tratado respeitosamente pelos civilizados
e induzido, pacificamente, a se incorporar à cidadania, recebendo conveniente educação e assistência.
A República manteve a política indigenista de Rondon. De acordo com
suas idéias (ele mesmo tendo ascendência indígena), estimava-se que,
gradualmente, a total população indígena, ora da ordem de 700 mil entre
190 milhões de habitantes, seria incorporada à cidadania brasileira.
Em anos mais recentes, a política
indigenista brasileira passou a ser
orientada por etnólogos. Estes, diversamente de Rondon, não intentavam
a pacífica incorporação do índio, mas
a preservação das culturas indígenas.
Para isso, adotou-se a prática da delimitação de amplas áreas nos sítios
povoados por índios, como reservas.
A política de reservas vem sendo
aplicada sem levar em conta os imperativos de defesa nacional, o que ocorre nos diversos casos em que elas se
estendem até nossas fronteiras com
países vizinhos. As autoridades militares têm alertado o governo, com toda a razão, sobre o perigo da prática.
Por essas e outras razões, a política
indigenista brasileira requer uma urgente a ampla revisão. Desde logo, independentemente da nova orientação que se lhe dê, é preciso estabelecer uma faixa que acompanhe as fronteiras do Brasil com outros países e
dela excluir as reservas indígenas. Em
termos mais amplos, importa questionar: que objetivos deve ter tal política, ademais da proteção do índio?
Por outro lado, a perpetuação de
culturas nativas, em que se fundamenta, no Brasil, a política de reservas, carece de sentido. Em termos antropológicos, pois é impossível sustar
o processo civilizatório. As populações civilizadas do mundo são descendentes de populações tribais, que
seguiram, em todos os países, o secular caminho que leva paleolíticos a se
transformarem em neolíticos e estes,
em civilizados. Criar um "jardim antropológico", à semelhança de um jardim zoológico, é uma insensatez.
Cabe ao governo federal zelar pela
unidade do país, e não contribuir para
autonomizar supostas nações indígenas que, no limite do caso, poderiam
apelar para a ONU para lhes salvaguardar a independência e ser objeto
de penetração estrangeira.
A nossa política indigenista não pode ter outro objetivo senão o da incorporação pacífica do índio à cidadania
brasileira, para tal lhe dando toda a
assistência requerida: sanitária, educacional e profissional.
HELIO JAGUARIBE, 85, sociólogo, é decano emérito do
Instituto de Estudos Políticos e Sociais (RJ), membro da
Academia Brasileira de Letras e autor de, entre outras
obras, "Um Estudo Crítico da História".
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