São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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EDITORIAIS

DESAFIOS NO COMÉRCIO

Foi polêmica a declaração do pré-candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de que os norte-americanos, ao optarem por medidas protecionistas no comércio exterior, "estão fazendo o que deveríamos fazer, defendendo seu emprego, sua agricultura e sua indústria". Em outra ocasião, Lula havia elogiado a política francesa de subsídios agrícolas.
Caso seja eleito, Lula estará jogando contra interesses brasileiros se, a partir desse diagnóstico, for condescendente com o protecionismo praticado pelos países ricos; se, por exemplo, deixar de questionar medidas prejudiciais a produtores brasileiros no âmbito da OMC. Afinal, seria desprezar o argumento, legítimo, de que os subsídios e as barreiras comerciais praticados pelo mundo rico são sérios entraves ao desenvolvimento das nações mais pobres.
Outro caminho para o fracasso seria o Estado brasileiro tentar imitar o governo e o Congresso norte-americanos e despejar recursos públicos ou erguer tarifas de importação para proteger setores produtivos ineficientes. A superpotência norte-americana tem muito mais condições de acomodar gastos públicos e encarecimento de insumos do que o Brasil.
Aqui os recursos são escassos e a vulnerabilidade, imensa. Incentivos setoriais -limitados no tempo e condicionados a resultados- podem e devem ser concedidos, mas visando a setores dinâmicos, com possibilidade de, depois de amadurecidos, se manterem competitivos globalmente sem ajuda pública. Não se tolera a volta a um passado em que os subsídios estatais nutriam ineficiência e práticas políticas nefandas.
As lições "aproveitáveis" da atuação dos EUA no comércio exterior dizem mais respeito à forma que ao conteúdo. Trata-se, por um lado, da concepção radicalmente pragmática que têm os EUA sobre o tema. Dificilmente concordam em abrir setores de seu mercado à competição externa sem também conquistar mercados para as firmas americanas. Requerem, no mínimo, reciprocidade. Na contramão dessa política, o Brasil realizou, a partir de 1990, uma abertura sem exigências de reciprocidade, em prejuízo do emprego e das contas externas brasileiras.
Outro aspecto que faz toda a diferença a favor dos norte-americanos é o seu grau de preparo institucional e político para lidar com as questões de comércio externo. Só tardiamente e aos poucos o governo FHC vai "descobrindo", por exemplo, que mecanismos de defesa comercial -antidumping, fitossanitários etc.- são fundamentais para enfrentar a realidade da globalização comercial. Mas, em torno das questões de comércio externo, ainda engatinham no Brasil a participação da sociedade civil e do Congresso, a formação de quadros tecnicamente preparados para lidar com o tema (no governo e nas empresas) e a produção de estudos que embasem a tomada de decisões das autoridades.
Tem que mudar rapidamente essa cultura ensimesmada -típica de uma economia continental que por muito tempo viveu fechada e que, nos últimos anos, não foi adequadamente preparada para inserir-se na economia mundial. Sem conquistar novos mercados externos e sem substituir importações de modo competitivo, o Brasil continuará padecendo da letargia econômica que o caracteriza há mais de duas décadas.


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