São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Educação e futuro

NELSON MANDELA e GRAÇA MACHEL


A educação pode fazer diferença entre uma vida de pobreza extrema e o potencial para uma vida plena e segura


Na última semana de abril , milhões de pais, professores e crianças ao redor do mundo pediram aos governos que garantam uma educação básica, de boa qualidade e gratuita a todas as crianças do mundo. Essas pessoas fazem parte da Campanha Global por Educação e nós incluímos nossa voz nesse pedido.
Nós sabemos, por experiência própria, o que a educação pode significar para uma criança: durante nossas vidas, vimos uma geração de crianças que foram armadas com educação erguerem uma nação. E a educação foi a fundação que nos permitiu participar de eventos históricos em nossos países: a libertação do povo do colonialismo e do apartheid.
A educação pode fazer diferença entre uma vida de pobreza extrema e o potencial para uma vida plena e segura; entre a morte de uma criança ocasionada por uma doença evitável e famílias que vivem em ambientes saudáveis; entre países rasgados ao meio pela pobreza e pelo conflito e o acesso de uma nação ao desenvolvimento estável e sustentável.
No entanto 120 milhões de crianças -dois terços delas são meninas- não têm acesso à educação básica. Uma em cada cinco crianças nunca chegará a conhecer o interior de uma sala de aula. Quando permitimos que isso aconteça, nós excluímos essas crianças de uma participação que faça sentido na sociedade. Nós permitimos que a distância entre um país desenvolvido e um país em desenvolvimento seja alargada.
Em muitos países em desenvolvimento, as mensalidades escolares transformam-se na barreira que impede as crianças de estarem na escola. Mesmo em países onde a educação básica deveria ser gratuita, os preços dos livros e uniformes significam, para muitas famílias pobres, que eles simplesmente não podem pagar a educação dos filhos.
Os governos devem fazer muito mais para tornar a escola acessível a todas as crianças. No nosso continente, a África, os orçamentos nacionais normalmente não priorizam as necessidades básicas das crianças -acesso à escola, à saúde e à água potável. Mas, quando nossas prioridades e compromissos são claros, a resposta é incrível. No Maláui, as taxas de matrícula nas escolas primárias cresceram 50% depois que o governo, em 1994, decidiu eliminar as mensalidades escolares e a obrigação das crianças de usarem uniformes.
No Fórum Mundial de Educação de Dacar, Senegal, governos e organizações financiadoras reafirmaram seu compromisso em atingir a universalização da educação básica até o ano de 2015. Os países em desenvolvimento prometeram implantar planos de "Educação para Todos", que iriam incluir uma provisão para garantir que a educação básica fosse inteiramente gratuita. A comunidade internacional prometeu que "nenhum país seriamente comprometido com a causa da educação para todos será desviado de seus objetivos por falta de recursos". Dois anos depois, muitos países que acabaram elaborando seus planos de educação não receberam a ajuda prometida.
Durante os encontros recentes do Banco Mundial, ministros das Finanças e do Desenvolvimento endossaram um novo plano de "Ação para Educação para Todos", que destaca passos concretos a fim de eliminar as mensalidades escolares, ação imediata para aumentar os recursos para os países que têm planos de educação e um aumento de três a cinco vezes nos montantes de financiamentos dirigidos à educação básica. Nós recebemos esse plano calorosamente. Temos de assegurar que essas políticas sejam implementadas.
Vivemos em uma economia global de US$ 30 trilhões, ou seja, recursos há. No ano passado, o mundo gastou duas vezes mais em defesa que em educação -em algumas regiões, chegou a gastar quatro vezes mais. Estima-se que US$ 1 bilhão por mês sejam gastos nas ações militares no Afeganistão. Para alcançar o objetivo de acesso universal (global) à educação, são necessários apenas mais US$ 5 bilhões de dólares. Se somos sérios sobre nossa intenção de erradicar a ignorância, a doença e a pobreza e construir um mundo melhor para nossas crianças, temos de ser tão fortemente intencionados em achar esses recursos para financiar o bem-estar educacional, de saúde e social das populações, quanto somos em arrumar recursos para defender nossos países.
Nós, da sociedade civil e do setor privado, temos de fazer a nossa parte. Os cidadãos do mundo industrializado podem pressionar seus governos e organizações financiadoras a se responsabilizarem por suas promessas e prover recursos necessários ao financiamento da educação universal.
Se não atingirmos nossos objetivos em garantir uma educação universal, nós não apenas fracassaremos em cumprir nossos compromissos como governos, comunidades e cidadãos, mas também estaremos fracassando frente a nossas crianças.


Nelson Mandela foi presidente da África do Sul. Graça Machel foi ministra da educação em Moçambique. Ambos lideram a Iniciativa Global de Liderança, do Movimento Global pelas Crianças.




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